Milagre da brota

Estamos adentrando a estação chuvosa. Nuvens negras cobrem o azul do céu. De quando em quando, nesta primavera que se desenha nas flores, no canto dos pássaros, no murmúrio do riacho que desce pelas pedras saltitando saudades do nascedouro, na vaca parida de pouco lambendo a cria, na azáfama das maritacas escondidas na copa da sibipiruna verde como suas asas, a chuva se desprende das nuvens, caindo gotas soltas na terra, fertilizando o solo, tintando de verde a natureza antes seca pronta a se deixar abater pelo fogo inclemente.

Confesso, ou melhor, peço, mãos ao alto, joelhos aterrados no chão, quase um clamor, por favor, Senhor, faça chover! Não aquela chuvadonha destruidora que deixa rastros ou pegadas de destruição por onde caiu, ceifando vidas humanas, animais são abatidos por raios ensandecidos, árvores velhuscas são dizimadas aos montes.

O quanto a chuva faz bem aos ares da roça! A pastaria ressequida agradece. O gado emagrecido esconde as costelas, os pássaros cantam com redobrada alegria.

E o homem do campo? Pergunto eu? Logo eu que não tenho o umbigo escondido na roça, mas o coração ali palpita mais, muito mais que na confusão das cidades.

Esse sim, ao ver a chuva descer devagar, sem estardalhaço, em pingos compassados, agradece aos céus de mãos postas ao alto.

O capim brota. O canavial desperta do seu sono letárgico. A roça de milho grana, exibindo suas espigas bonecas, com a mesma beleza das bonecas moças da cidade.

Aliás, por falar em mulheres, em bonecas- moças- lindas, de traseiro arrebitado, de covinhas apetitosas que lhes passarinham no canto dos lábios carnudos, de cinturinhas as quais gostaria de envolver em meus braços, cabelos bem cuidados, essas, pena: quase não existem mais nos campos onde tenho a minha roça.

Mulheres estão em extinção naqueles rincões mineiros, onde se fala uai, trem bão, vou tomar o trem, onde o trem não passa. Foi assim que me explicou uma linda morena, alta, faceira, para a qual um dia dei carona. Ela não me pediu para entrar em meu carro. Simplesmente parei a caminhonetinha prata, e lhe ofereci condução.

Vanessa, que se tornou eficiente e confiável secretária, depois de tentar, retentar, uma colocação na cidade, ao deixar a cabine do meu utilitário disse, textualmente: “doutor Paulo, na roça mulher não tem futuro”!?

Voltando à brota do capinzal, do verde que se colore de mais verde depois da chuva tardia de outubro, tempo de planta, de arar, de semear, se o tempo corre bem de colheita farta, esturdia passava eu por uma casinha singela, pertinho da minha roça, a cavaleiro do meu potrinho inteiro de nome Theo, quando avistei um vizinho desconsolado.

Ele, aos mais de oitenta anos nos costados, não sabia como proceder.

Seu Zé Antônio tinha um fogo que não ardia nas achas do fogão a lenha.

O seu fogo era diferente. Fazia empinar aquilo que escondia entre as pernas, uma vareta mais longa que a bananeira que já deu cacho, hoje ainda dá uns cachinhos durinhos que não servem para servir entre os dentes. E sim para fazer felizes as raparigas de ancas largas, que adoram serem montadas, não apenas pelas garupas fogosas, bem como pela fendinha que exibem despudoradas entre as pernas que se abrem sem pedir.

A mulher esposa do Seu Zé Antônio estava gasta pelos anos. Adoentada a velhota não mais queria servir de montaria ao marido fogoso. Caía na cama e dormia logo. Não mais respondia aos anseios de sexo do pinto que ainda piava do marido que dispensava Viagra, ou coisa de mais valia.

Acontece que meu vizinho de cerca era fiel a sua dona. Nem pensava em “capim novo”, ou pular a cerca com medo de rasgar a calça nos fundilhos que nunca viram o dedo do urologista. E, segundo ele, nunca vai ver!

Não sabia mais o que fazer para matar a sede, não de água ou de canjibrina pura, aquela aguardente famosa por deixar o pião sem fazer o quatro.

Foi quando passei perto de onde Seu Zé morava.

Eram mais ou menos quase onze horas da manhã, uma manhã quente, nuvens escuras prometiam despencar do alto, resolvidas em gotas de chuva mansa, quando pilhei, em fragrante, o amigo de pasto, com quem dividia cercas, feliz da vida.

Nem foi preciso indagar a razão da sua felicidade de expor as gengivas peladas, naquela banguelice de destroncar a língua quando ele comia pipoca e cuspia os piruás.

A felicidade aterrissou em seu pedaço de paraíso desprovido de tudo, menos de simplicidade ou de alegria, por um singelo motivo.

Seu Zé Antônio acabou por resolver a falta de mulher que o satisfizesse no leito nupcial.

Assim que parei para um cafezinho, em boa companhia de uma broa de milho verde, de um queijinho frescal saído de pouco da forma, ainda dessorando, de outros quitutes que só gente de Minas sabe fazer, além do pão de queijo receita nossa, vi, juro ser verdade verdadeira, uma mulher linda, traseiro arrebitado, corpo que nem coveiro renega, rosto sem rugas, olhos amendoados, pernas oblongas sem mais delongas, coisa que até Deus duvida.

Perguntei ao Seu Zé, quem era ela?

Foi quando o danado do caboclo da roça, com aquele jeitinho doce, sem ser desconfiado, me respondeu sem pedir segredo: “quer saber, doutor Paulo. Essa é a mesma dona Mariana. Dei um jeito nela. De vez. Depois da chuva mansa, fiz uma covinha no quintal, cheguei esterco no pé, enterrei raso a minha mulher, depois veio a chuva, um mês depois brotou essa coisa linda que vosmecê viu”.

Saí do rabo de olho do amigo Zé, montado no cavalinho Theo, acreditando, afinal, no milagre real da brota. É ou não é?

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