” Desanima não doutor. A vida tem destas coisas “…

Quem ainda não se viu desequilibrado, falta-nos o chão, frente a situações inusitadas com as quais nos deparamos, em certas fases da vida, se viveu, não conviveu.

Problemas, quem não os têm? A maneira de enfrentá-los é o que diferencia os fortes e os fracos. Da mesma maneira que considero os limites entre a sanidade e a louquice uma linha tênue. Mais fina do que o buraco de uma agulha. Ou que seja um suspiro bem dado. Um abraço sonegado. Um amor que se foi.

Há tempos, quase um ano se passou, tenho lutado para ver concretizado mais um devaneio.

Tenho uma rocinha encantada no município de Ijaci.

Por lá passaram não sei quantos retireiros. Não durava um ano, se tanto, tinha de mudar de espremedor das tetas das vacas.

O último não durou mais que um mês. Era cada prejuízo de fazer murchar a orelha das vacas. Levava cada manta que quase me levava à bancarrota. Pensava que todo médico podia ser fazendeiro. Ledo engano. Em quase trintanos acabei me convencendo que leite só dá lucro aos olhos do dono. É preciso dedicação total. Acordar ao cantar do galo. Dormir junto às galinhas. Não deixar a vaca passar fome. Saber a hora exata do plantio. Quando a vaca dá cio. E ser bom entendedor de assuntos variados. Não é como operar uma fimose. Nem curar um paciente que se queixa de impotência sexual.

Há tempos tive uma ideia genial. Passei o bastão da minha roca a um amigo chegado. Arrendei a propriedade por um preço camarada.

Como não tenho mais onde passar a noite, contando estrelas em noites enluaradas, resolvi, em comum acordão comigo mesmo, construir outra casa pertinho da borda da represa.

Esta construção quase acabou comigo. Ainda me considero vivo por pura teimosia. Dois anos se passaram. A casa ficou uma belezura. Ampla o bastante para caber metade dos meus sonhos. A outra metade foi retardada para depois.

Faltava uma piscina onde pudesse me refrescar nas noites de verão. E uma área gourmet onde pudesse saborear um bom churrasco.

Foram-me meses. Deitaram-se dias incontáveis.

E nada de a tal construção terminar. Mudaram pedreiros como se foram os retireiros.

Quase as minhas parcas finanças se perderam em alto mar.

Ontem passei por aquele lugar desencantado. Lindo como se fossem estrelas fazendo amor com a lua cheia.

Os derradeiros pedreiros me avisaram que aquele seria o último dia de trabalho. Que voltariam em dias incertos. Quem sabe no ano que vem?

Deixe a edificação desalentado. Olhando o lindo visual ao final da tarde.

Antes de voltar à cidade, pensando na vida que tenho levado, nos setenta anos de luta renhida, viver é lutar, e nem sempre vencer, dei uma paradinha defronte a um velho amigo.

Ele sempre me tem consolado. Nas horas difíceis por que tenho passado.

Com ele abri meus queixumes.

“Seu Zé. Não sei mais o que fazer. Já gastei o que tinha e não possuía. A tal construção acabou me deixando louco. Os parcos cabelos que ainda tenho se foram na rajada da ventania”.

Ele, no alto da sua sabedoria, explicou-me placidamente: “não desanima não doutor. A vida é assim mesmo. Num dia acordamos cheio de esperanças. Noutros elas se desfazem. O importante é seguir adiante. Contrariedades existem. Mas tente encontrar a felicidade na singeleza do singelo. E não busque mudar o mundo. As pessoas não são como a gente. Cada um é cada um. E não procure entender a humanidade. Por vezes ela se mostra desumana. Faça a sua parte. E deixe o depois para mais tarde”.

Despedi-me do amigo Zé com mais alento no meu desalento. Acabei sorrindo da minha própria desventura. Quem sabe assim serei mais feliz…

 

 

 

 

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