O dia quando vi o Alegria triste

Nem sempre a felicidade nos arranha o peito.

Por vezes ela se apaga. Como a chama advinda da fogueira que um dia virou cinzas.

Tristeza e alegria fazem parte do nosso viver. São sentimentos díspares.

O primeiro se manifesta num franzir do cenho. Um apertume por dentro. Uma sensação de infelicidade que se faz sentir através de um lamento.

Já a alegria se casa como nuvem cinza e chuva. Manifesta-se de várias maneiras. No sorriso de criança que acabou de receber um presente inesperado. No mostrar os dentes do velhinho mesmo que a dentição lhe falte.

Dias nublados não concorrem para que a alegria se manifeste. Prefiro o sol. O clarume do dia. Mas, quando as nuvens terminam em chuva, quando chego a casa, a felicidade vem com sua carruagem lotada de coisas boas. Nada como dormir como aquele barulhinho de gotas de chuva tamborilando na janela. Mas, como sempre ando pelas próprias pernas, hão de concordar comigo. Como é difícil caminhar com um guarda-chuva aberto pelas calçadas estreitas de nossa cidade.

Quantas vezes o vi, principalmente no debrum das tardes, sorridentemente, distribuindo papeizinhos pelas ruas da cidade.

Não sei exatamente seu nome. Conheço-o por Alegria.

Ele é magrinho e espadaúdo. Sempre sorrindo, demostrando alegria, não sei se este sentimento bem lhe retrata a intimidade.

Usa sempre uma sandália gasta. De outra vez imaginei que o moço dos papeizinhos foi levado por uma ventania. E virou um papel risonho rodopiando pelo redemoinho.

Sempre nos cruzamos pelas ruas. Embora de fone de ouvido ligado ouço os bons dias ou boas tardes que ele lança aos meus ouvidos.

Nunca vi o Alegria triste. Como aconteceu na manhã de hoje.

Quando desci a rua, bem cedo, como de costume, passei pelo Alegria. Ele estava assentado num meio fio.

Ele fingiu que não me viu. Parei um instante. Bem pertinho dele. Ele, cabisbaixo, demonstrou preocupação. Alguma coisa nele não ia bem. Como não tinha pressa, só começo a trabalhar a partir das oito, puxei conversa com o amigo Alegria.

“O que se passa com você? Hoje não vi a alegria estampada em seu rosto sempre alegre”?

Meu amigo, sem mostrar disposição para conversar, respondeu-me quase monossilabicamente: “quer saber? Simplesmente não dormi a noite. Sonhei que tinha me transformado num monte de papel sendo levado pelo vento. E de repente desapareci. Agora estou aqui. A espera de algum amigo com quem possa conversar”.

Passei alguns segundos indagando como ele estava de saúde. Ele disse que a saúde ia bem. Que os filhos ainda dormiam. Mas, por causa de falta de dinheiro, faltava em casa o necessário para sobreviver. Dei-lhe o que tinha no bolso. Era pouco. Creio que apenas dez reais. Foi quando novamente vi o sorriso do Alegria voltar a sua cara sempre alegre.

Despedimo-nos como velhos amigos. Como em verdade éramos.

Tomara, em nosso próximo encontro, mais tarde, talvez, ou noutro dia qualquer, não encontre mais o Alegria pensativo assentado naquele meio fio duro. Bem sei que a vida tem sido dura para com ele. Mas, mesmo assim, como é bom sorrir. Mesmo quando a alegria nos falte. Como ela faltou no dia de hoje ao amigo Alegria.

Espero ter contribuído, nem que seja um cadinho, para o sorriso brote na face não só do amigo Alegria, assim como de outras pessoas que cruzam comigo pelas ruas de nossa cidade.

E como a felicidade faz falta. Enxote a tristeza que vive em você. E traga a alegria de volta. Nem seja amarrada num laço de felicidade.

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