Em pouco mais de um mês entrarei idade nova

Como o tempo passa com suas asas frenéticas.

Parece que foi ontem quando nasci. Ontem mesmo estudava naquele colégio onde meu neto começa a aprender as primeiras letras. Um dia destes, naquele agora longínquo dois mil e novecentos e setenta e quatro, tornei-me médico. Três anos depois para aqui retornei.

Quantas noites insones. Quantos pacientes operados. Quantos deles ficaram agradecidos pelo resultado das operações. Quantos não pude salvar. Quantos aqui defronte assentaram-se. E saíram mais confortados de suas mazelas. Perdi a conta de quantos foram. Quantos anos passaram, mais fácil de identificar. Mas, no entanto, quantas horas, dias, segundos, minutos, são lapsos de tempo impossíveis de identificar.

O tempo passa. A gente envelhece. De agora em diante não faço vaticínios de quanto tempo me resta. Simplesmente sigo adiante. Pois, caso continue a contar o tempo, mal terei momentos para aquietar-me a alma. Já que apenas ela é em verdade imortal.

Hoje é segunda-feira. Depois de um feriado prolongado as pessoas voltam pra casa. Muitas nem chegam ao seu destino. Elas têm a vida ceifada por um trágico acidente. Quantas famílias inteiras perdem a vida numa fração de segundos. Num piscar dolhos. Num momento de distração.

Amanhã a semana segue em seu ritmo frenético. Quando menos se espera novo sábado nos aguarda. E com ele segue o domingo. Sem que nos percebêssemos.

Mais um mês, um cadinho mais, enfrento idade nova. Trata-se de mais um sete de dezembro. Quase Natal. Confesso que não percebo quase nenhuma mudança em meu semblante já gasto pelos anos. Fora mais cabelos brancos. Mais rugas. A calva continua quase como era antes. Continuar a pentear os cabelos de um lado a outro. Para tentar disfarçar o que os anos fazem com a gente. Debalde são as tentativas de ludibriar os anos. Eles passam. Mas quem sou eu para dizer que eles não têm sido generosos para comigo. Ajo como criança. Não tenho as mesmas preocupações de quando aqui cheguei. Enricar não faz parte dos meus planos. Já construí tudo que gostaria de ter. A ambição não me seduz como nos verdes anos. Contento-me com o que conquistei.

Tenho a família com que sempre sonhei. Se digo que não tenho motivos para ser feliz, falto com a verdade. Vivo sempre em busca da felicidade. Mas aprendi, com o passar dos anos, que ela foge como a seriema assustada acompanhada de sua cara metade. Ela, a tal felicidade, não deve ser vista plena em sua totalidade. Num dia ela vem. Noutra ela se esconde, como aquele passarinho que faz o ninho num lugar aparentemente inexpugnável. E de repente aparece aquele garoto malvado, com seu estilingue armado com uma pedra pontuda, e faz um estrago enorme naquele esconderijo onde nasceriam seus filhotes. Não deixando pena sobre pena. Nenhuminha alminha viva ou morta para contar a sua história com um desfecho triste.

De hoje a alguns dias entrarei idade nova. Até onde irei? Quantos anos mais colecionarei?

Sete de dezembro é a data do meu desaniversario. Não terei festas. Tentarei encobrir quantos anos farei. Mas sei que alguém vai se lembrar desta data. Conto nos dedos. Talvez sejam mais pessoas. Meus filhos, minha esposa, alguns parente, amigos bem sei. Mas, caso esta data passe em branco, que mal que tem? No ano vindouro estarei de novo inaugurando idade nova. Tornar-me-ei setentão.

Espero, otimista que sou, depois dos setenta continuei rumo aos oitenta. Com a mesma disposição de agora. Caminhando sempre. Com a mesma lucidez de hoje. Com o mesmo sorriso no rosto. Mesmo, se a contragosto, alguém, de brincadeirinha, disser: “olha aquele velhinho trôpego”! Ajude-o a atravessar a rua, antes que alguém o atropele”!

Espero passar outro Natal com a mesma alegria que sempre assoprou em minha face. Tomara que os anos não pesem tanto às minhas costas.

Agora, cercado de netos, com a família acrescida de mais um, em janeiro mais outro vai estar aqui, o quase setentão vai suportar mais este desafio em sua vida cheia de acontecimentos alvissareiros. Os não tanto cuido de relevá-los. A vida é cheia de momentos bons e outros muito menos.

Mas, fazer o quê? Esquecer a tristeza? Sonegar a alegria?

Em dezembro colho mais um ano de vida. Oxalá com a mesma disposição de agora. Com a mesma clarividência de sempre. Com o mesmo tirocínio de outrora.

Logo entrarei idade nova. Outras mais virão. Que venham sempre. Carregadas de emoção. O mesmo sentimento bom quando vi nascer meus filhos. Meus netos então?

Não mais conto anos. Muito menos desenganos. Talvez por isso sou feliz. Melhor nem pensar no quanto…

 

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