Como mesurar uma paixão?

Seria coisa de criança isso de falar ou sentir paixão? Ou seria fruto de idade qualquer? Seja madura, intermediária, de homem ou mulher.

E como medir este sentimento, que se confunde ao amor, em apenas intenso, mediano, fraco ou inexistente? Em cifras não consigo. Imagine caso disser que a paixão que senti, uma vez, um dia, perdido no passado, era do tamanhão da serra que daqui se avista? Ou de um reles montinho tacanho, minimozinho, da medida certa de um grão de areia num mar revolto?

Existem paixões e amores perdidos em qualquer tempo de nossa vida. Seja ela longa ou não.

E qual seria a distinção entre paixão e amor? A paixão se esvai com as rugas que passarinham a face. Com a beleza do corpo não mais curvilíneo. Com os cabelos não tintos se mostrando branquinhos na raiz. Com o sexo não sendo mais como dantes.

Já o amor, ah!, este não acaba jamais. Cresce mesmo ao sabor da velhice. Das cãs que enxovalham-nos as têmporas. Mesmo ao dissabor das nádegas caídas.  Contradigo-me caso cite que o amor fenece como a beleza da flor que se torna seca e sem perfume. Amor, verdadeiro amor, sempre cresce, quando o casal envelhece, e um tolera os defeitos do outro. Quem não os tem?

Já a paixão daquele senhor, nascido e com o umbigo enterrado debaixo da bananeira que já deu cacho, que, dezembro em seu começo teve de ir à cidade perto, a fim de comprar umas coisinhas que carecia e as lidas da roça não lhe davam tempo de ir lá longe. Um longe não tanto. Distância da mesma lonjura que um tiro de espingarda não muito calibrosa pode alcançar.

Seu Não Me Lembro do Nome, esqueci-me, pegou carona no velho caminhão leiteiro, entre os latões de leite chacoalhantes, quase tendo um desmaio, vomitou a janta da noite de ontem numa lata de leite aberta, que azedou de pronto.

Ao apear no centro nervoso da comarca era tarde cedo da noite baixa. As luzes do Natal piscavam agitadas.  Ele, nunca vira tal coisa tão linda, apenas pirilampos piscavam defronte sua casinha tosca, ficou meio aparvalhado com tanta luz, tantas árvores da praça principal enfeitada de cores mil.

Levou na bolsa pendurada na parte íntima da calça nova, pensando ali ser lugar seguro, toda féria da renda do leite, descontando as despesas. Que dava mais ou menos mil reais. Em notas miúdas e mofadas, previamente guardadas no velho colchão de palha antiga. Onde moravam ratos e percevejos.

Quando tentou entrar numa loja de um e noventa de nove, fraude velhaca, nada custava apenas isso, deu um esbarrão enorme na bunda de um mocinha não tão nova, era um velha de programa de sessão madrugada, ela se virou para ele, com jeito de quem quer e deseja, e o convidou para passar a noite numa pensão de quinta. E era uma sexta-feira, não quinta.

E como o senhor, de cujo nome não me lembro, como apreciava capim novo, mesmo que não fosse tanto, topou a parada.

Na manhã seguinte acordou com sabor de cabo de guarda-chuva nas costelas. E com a féria do leite sem nada. A tal piranha usada afanou-lhe todas as economias que tinha na intimidade da calça previamente deixada na cadeira do lado.

Desgostoso com o desaparecimento da grana, para ele muita, foi mesmo assim a luta.

Bom dizer que gente da roça não foge a ela. Dá um boi para não entrar em confronto. E não mija pra trás por causa de uma briguinha de nada.

Era mais de hora do almoço quando o esperançoso senhor do nome esquecido ficou, na porta da igreja principal, com seu chapéu estendido, esmolando esmola.

Ali, por ser tempo de fim de ano, as pessoas costumam abrir os corações, fingem-se de boas, o chapéu furado dele logo ficou lotado de notas e moedas das maiores. Fazendo as contas dava tudo quase cem reais.

E com essa quantia acabou comprando a metade da metade do que gostaria. E era tão poucas as suas pretensões…

Mas, a paixão do senhor desnomeado, não era a azáfama da cidade. Era o bucolismo das suas terras puras. Ali deixou a paixão que tinha por uma égua alazã, e por uma mula coiceira. Com os quase teve um caso. Que não deu em nada. Tanto a égua quanto a mula não prenharam por incompatibilidade genética.

Afinal o senhor, pra muita gente desconhecido, pra mim não, conseguiu voltar ao seu pedaço de chão.

Ao sentir a brisa fresca da noite, ao abrir a porteira por ele feita um dia, ao ver tudo ao derredor molhado pela chuva criadeira, saiu-lhe da boca desdentada isso: “essa paixão minha não tem medida. É grande demais. Amo a vocês todas. Tanto a égua Catarina, da mesma forma a mula não mais chamada Menina. Desde que nos deitamos naquela cupim morto”.

Querem saber quanto mede a minha paixão? E o meu amor sem igual? Eles se escrevem começando com R. Como segunda letra tem O.  A terceira é igual a uma curva em S. E a derradeira termina com a primeira letra entre as vogais.

Essas letras todas, embaralhadas ou não, somam quase cinquenta anos de convivência. Sem medida. Sem números que me façam somá-los. Simplesmente sim.

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