Ela se foi, levando o melhor de mim

No dia de hoje o sol parece ter dado trégua à chuva que nestes dias cinzentos caiu. E hoje ele partiu. Certo que foi uma despedida passageira. Em poucos dias ele volta. Bem como a chuva deve retornar à pastaria, continuar a tintá-la num verde amadurecido, como eu, bem maduro que já estou.

Inda pouco me despedi dele. Desde a minha casa ao apartamento onde ele mora percorri a distância num tempo recorde. Creio que em menos de cinco minutos, se tantos, cheguei arfando ao seu lado. Ele estava inquieto. Mal sabendo da viagem curta que iria fazer. O menino, que se parece a minha pessoa, há anos atrás, como as fisionomias mudam ao nos vermos defronte ao espelho, depois de idos janeiros. Que venham mais fevereiros, marços entrem por inteiro, outros meses, anos, oferecem-nos suas carantonhas tristonhas, no ir adiante dos ponteiros das horas.

Tentei tomar meu netinho primeiro entre as mãos. Ele regateou-me o contato. Dentro do amplo armário do closet da sua mãe, minha filha querida, Theozinho revirava tudo lá dentro. E dava inclusive conta de revirar-me o passado. Naqueles tempos ex quando ainda criança, em Boa Esperança, esperava ansioso que os anos não passassem tão lépidos.

Em menos de dez minutos depois de conseguir domar a ansiedade do meu querido Theo, de envolvê-lo em meus braços de pai ao quadrado, avô se rejuvenesce ao ver como éramos anos atrás, voltei ao meu consultório de urologista escritor.

Theo vai a mesma cidade onde me graduei médico. Jazem mais de quarenta anos desde quando tudo aconteceu. Mais três deles.

Agorinha mesmo, voltando a pensar no passado, tendo o presente a me olhar de frente, sofismo sobre o futuro. Estaria eu por aqui ao ver meu netinho risonho ocupar a mesma cadeira que seu pai, seus dois avós, ocuparam? É pergunta a qual não me atrevo a responder.

Theo se foi a Belo Horizonte. Levado por seus pais. Lá, na mesma cidade onde aprendi a ser doutor, foi só o começo. De uma vida inteira entremeada de bons e momentos ruins. Quem não os tem? Faz parte do nosso viver.

Ele levou na sua bagagem cheia de fraldas, babadôs, roupinhas de bebês, brinquedos muitos, muito mais que eles todos. Levou junto minha saudade e bastante amor.

Do alto dos meus sessenta e sete anos, mercê de sonhos e desenganos, percebo a vida me levar adiante.

Minha juventude se foi. Ainda bem que não levou com ela a saúde. Ela ainda resiste saudável em meu cerne rijo como o âmago da velha árvore. Que inda ontem resistiu a tempestade e não soçobrou.

Sei que os anos nos levam muitas vezes aos desenganos. Anos são implacáveis com a gente.

Um dia as cãs enxovalham-nos as têmporas. As rugas fazem festa no canto dos olhos fundos. Um queixo duplo se mostra abaixo da boca inexpressiva.

E os dias de agora nos deixam a pensar no antigamente. Quando eu tinha a idade do meu Theozinho querido. Que já deve estar a caminho da cidade onde passei parte dos verdes anos da minha vida. Hoje provecta e desenxabida.

Bem sei que a juventude, a infância, se foram. Levando com elas parte do melhor de mim.

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