Pouco a pouco vamos perdendo a serventia

A gente só tem valor em vida útil e produtiva.

Uma vez deixando a juventude nos olhar bem atrás. Com olhos de pura nostalgia.

Uma vez nos tornando um fardo pesado aos ombros de nossos filhos. Passamos a ser algo que defino como sendo de pouca valia. Um traste inútil. Algo descartável como um sapato velho.

Uma vez vencidos uns tantos anos. Depois de passarmos a vida inteira trabalhando duro. Dando de comer e abrigo aos nossos descendentes. Somos alijados de nós mesmos. Pois tudo que fizemos perde o valor. Já que agora o que conta é a realidade dos tempos hodiernos.

Uma vez passados tantos anos. Depois que a idade chega. Acabamos jubilados. Dir-se-ia esquecidos num banco de uma praça qualquer. Tentando esquecermo-nos de quem fomos. Já que nossos feitos pretéritos pouco contam. O que passou foi passado. E de nada adianta tentar reeditar o passado se ele se foi com os anos.

Cada vez mais perdemos nossa valia.

Os jovens dizem: “lá se vai o velhinho. Elezinho já nem se lembra mais de quem somos. Já que ele está ultrapassado. Na hora de desocupar a moita. Já passado da hora de ser mais um nome esquecido na lápide de um túmulo qualquer.”

Velho só tem serventia para cuidar dos seus netinhos. Mesmo assim cuidado. Não o deixem atravessar a rua sozinho. Algum carro apressado pode colhê-lo num ímpeto e acabar com sua vidinha inexpressiva. Ele já deu o que tinha de dar. E já é tempo de ele se mudar para o tal paraíso se é que ele existe.

Pouco a pouco perdemos a identidade. Já nem mais sabemos onde guardamos a nossa carteira agora vazia. Já que nossos filhos apoderaram-se de tudo que temos. E só nos resta lembranças de um passado por nós redivivo.

Podemos perder quase tudo. Até mesmo a serventia que sempre tivemos. Mas pouco nos importa saber que fomos nós os únicos responsáveis pela vida que geramos. Nossos filhos, netos, a nós devem quase tudo.  Inclusive os genes que a eles transferimos.

Podem dizer que passamos a ter pouca serventia. Mas não se esqueçam dos primeiros anos de suas vidas. Quem os embalou nos seus bercinhos? Quem acarinhou suas carinhas choronas? Quem os levou à escola? Quando ainda não havia os tais transportes escolares.

Se nós não mais temos serventia experimentem pagar as suas contas uma vez desempregados. A quem recorrer senão a nós. Seus pais ou avós. Se felizmente ainda vivos. Se outras pessoas irão ser como a gente. Indiferentes ao sofrimento dos filhos. Que não tem a quem pedir.

Não temos mais serventia. Injusta e insossa falácia. Desprovida de sentimento. Própria de gente ingrata. Que não tem consideração pelos nossos feitos pretéritos.

Se não temos mais utilidade nenhuma não se olvidem do quanto fizemos por vocês. Fomos nós que não os deixamos ao desabrigo nos primeiros anos de suas vidas. Que os amparamos nos seus primeiros passos. Que evitamos suas quedas. Que ajudamos a criar seus filhos.

Não temos mais serventia, mas ainda servimos para algumas coisas. Não somos apenas velhos. Já fomos jovens. Já demos o melhor de nós na nossa mocidade perdida. Não somos sapatos velhos. Não nos joguem fora.

Certo que, na idade madura, não mais somos capazes de fazer o que fazíamos antes. Mas me permitam dizer. Ou deixar escrito.

Não se esqueçam de quem fomos. Somos vocês num ontem que se foi. No presente que ainda se mostra.  E no futuro incerto.

Se não temos mais serventia não se sirvam de nós como um banquete no qual se locupletaram. E se lambuzaram na nossa velhice quase a termo.

 

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