Não era apenas um velho cobertor

Estamos na iminência de ver chegar o inverno.

Em alguns dias mais e ele chega desbancando o outono.

Esta estação pela qual estamos atravessando dentre todas é a minha preferida.

Não sei se me encontro no outono outonal de minha vida. Em dezembro perto quase chego a idade que meu saudoso pai nos deixou. Pois, aqueles que tiveram o gaudio de conhecê-lo. Tanto como gerente da casa bancária que leva o nome de nosso país. Ou nos curtos anos que ele aqui advogou em causas nobres. Defendendo os pobres e oprimidos. Na maioria das vezes tentando fazer prevalecer a justiça aos injustiçados. Ele deu seu derradeiro suspiro em meus braços inermes de médico. Naquela mesma casa. Hoje dela nada mais resta senão um lote vazio recoberto por um tapume metálico. Logo defronte ao velho Vaz Monteiro e uma das portas de entrada do Lavras Tênis Clube.

Como no parágrafo de dantes escrevi- o frio se avizinha. O inverno mais e mais se aproxima.

Não tenho o costume de passar a noite inteira em meio a um amontoado de cobertas com a cabeça apoiada a um macio travesseiro. Pijamas logo os ponho de lado. Em verdade não tenho pela noite em bom agrado. Confesso ter medo dela. A partir de certa idade. Lá se vai a mocidade a léguas de lonjura. Que saudades me inundam meu peito os pregressos vinte anos. E a meninice peralta de minha pessoa já se despediu faz um tempão. Ao me deitar. Antes que as galinhas se empoleirem. Assim que o relógio da matriz deixe soar a Ave Maria. Já estou de olhos quase fechados. E, antes das quatro da madrugada já a lavar o rosto. A barbear-me defronte ao espelho. E uma ducha morna me recebe nu em pelo no chuveiro.

Falei em cobertor. Uma manta pra mim faz mais sentido. No entanto, em nosso rico idioma, existem palavras de duplo sentido. Manta é uma delas.

Na linguagem caipira, a qual sou versado em versos descomplicados; levar manta ou passar manta, dá no mesmo que levar vantagem em negócios- viram!

E quantas mantas eu tomei na minha trágica experiência em lidas rurais.

Mesmo sujeito, nas catiras que fazia na minha rocinha antes prejuizenta, comprando vacas do vizinho de cerca Geraldo da dona Nega. E, ele sabidão dizia: “pode levar essa novilhota de primeira e única cria. Ela vai dar vinte litros de leite na primeira ordenha matinal. Já na segunda e na sucessiva ela vai entornar de novo o balde. Podes crer.”

Eu cria. Mas, a danadinha da vaquinha, que ele dizia ser novinha, tinha mais de vinte anos de lida no curral. E elazinha, de nome Braúna, no meu pasto dava menos de dois litros na ordenha inicial. Já na outra eu não a encontrava. Pois ela voltava ao curral do amigo catireiro Geraldo da dona dele.

Deixando minhas mantas, não iguais a cobertas, do lado direito da cama. A outra manta chamada cobertor deveras faz falta no frio que se aproxima em um cadinho de dias.

E diversas campanhas têm sido feitas por entidades meritórias para amenizar o frio dos sem teto. Aqui mesmo, pertinho do meu consultório, existem pessoas abnegadas que abraçam, de corpo e âmago, causas como distribuir alimentos as pessoas carentes. A campanha do quilo é uma delas.

São causas maravilhosas todas elas. O país atravessa uma crise sem precedentes em sua história. Não sei se o novo presidente vai dar conta de oferecer  picanha aos pobres a preços convenientes com o baixo salário mínimo que nunca vai chegar ao máximo de suas  necessidades mais prementes.

Hoje, antes que o sol acordasse, estava inda escuro. Um breu. Antes das cinco da manhã pensei repetir o que dantes fazia quando morava lá no alto da cidade no belo condomínio Jardim das Palmeiras.

Há cerca de dez anos, vinha caminhando apressadamente até passar pela linda Praça Augusto Silva. Fizesse frio enregelante ou um calor sufocante. A fim de tomar café numa padaria logo abaixo do Banco onde meu pai foi gerente.

Já hoje, não sei se movido pela saudade dele, ao passar pelo banco, olhei de viés em direção a ele e confesso: vi meu pai assentado a uma cadeira de frente á praça. Teclando docemente as teclas negras da velha Facit; a sua máquina de escrever.

Pena. A padaria ainda estava de portas cerradas. Não tive como tomar meu café.

Fiz um rodopio em meus agitados pés. E voltei por outro trajeto até chegar onde estou.

No meio da alameda do belo jardim percebi, num piscar d´olhos, sobre um banco da mesma praça. Um velho cobertor se mexendo.

Arregalei meus dois olhos. Belisquei-me na intenção de me fazer acordar de verdade.

Olhei novamente em direção ao mesmo banco. Da mesma praça.  E o surrado cobertor novamente alçou voo.

Com meu celular fotografei aquela cena esdrúxula. Não era uma miragem. O velho cobertor bem surrado de novo se remexeu.

Não tive como não me achegar do tal banco da pracinha. Sempre temeroso que de baixo do velhusco cobertor saísse um fantasma  assustador.

Mas, debaixo da valha manta não havia nenhures assombração ou fantasma. Ou até mesmo uma mula descabeçada.

Por baixo daquele velho cobertor dormia sossegadamente um sem teto. Quem sabe um andarilho como a personagem do meu romance Rakel.

Por cima daquele banco da Praça Doutor Augusto Silva não era apenas e tão somente um velho cobertor surrado. Por debaixo dele dormia um soninho bom um andarilho, um esmolante, um pedinte, seja quem for…

 

 

 

Deixe uma resposta