Permita-me tratá-la com tamanha intimidade.
E na segunda pessoa tento retratar nossa amizade.
Afinal tu, doce e linda senhora, não és tão velha assim.
Tu celebras apenas cento e vinte e seis anos de idade. Uma avozinha te sinto. E pressinto que viveremos, tu e eu, muitos e muitos anos mais.
Algumas poucas vezes te visitei antes de morar por ai. Era ainda menino. Encantado por suas largas ruas e avenidas. Sempre apinhadas de gente no seu ir e vir frenético.
Foi nas vizinhanças da maior idade que vim te conhecer em pessoa. Sempre fui um buscador de novidades. E em ti, em plena mocidade, descobri como foi bom morar alguns anos naquela rua de nome de um estado mais ao norte. Conhecida como Bahia de todos os santos. Já que euzinho, jovenzinho sonhador, ocupava um apartamento amplo junto a alguns amigos. Com que saudades me lembro do Januário que Deus levou prematuramente para fazer projetos juntinho ao nosso Senhor. Tentando fazer do céu um lugar melhor pra se viver se for possível conceber. Da mesma maneira tinha outro edificador de projetos, na pele morena do Gilson, um pegador de mancheia. Que encantava a todas as meninas com sua semelhança com aquele cantor de nome Vanderlei Cardoso. Como ainda tenho como amigo, que ainda mora nessa cidade, o Rafael como cúmplice de nossas andanças pela capital das nossas Minas Gerais.
De vez em quando em nossa república democrática pediam abrigo outros amigos vindos de minha Lavras dos Ipês que nunca param de florescer.
Graças a ti, querida BH. Que tanto me encantava como ainda por ti tenho o maior apreço. Se bem que poucas vezes em tuas ruas e avenidas tenho comparecido. A não ser para tratar da saúde quando ela complica e pede maior sofisticação.
Quando morei dentro de ti, naquele anos que estão passando cada vez mais depressa. Já que fazem mais de cinquenta que caminhava pela Afonso Pena para chegar à faculdade de medicina na Alfredo Balena. Caminhando sem pressa margeando o parque municipal. Desfrutando daquelas árvores, algumas centenárias. Sorvendo aquele ar pouco poluído dos anos de antão.
Graças a ti amada BH. Ainda longe de me aposentar. Tanto da vida como da medicina. Assim pretendo se Deus ajudar. Consegui me graduar e me especializar.
Graças a tua graciosidade, morando naquele hospital de ponta na capital. Deixei quase completa minha especialidade em Urologia. Conclusa um ano depois em terras de Espanha, na Universidade Complutense de Madrid.
Graças a ti querida BH. Foi dentro de ti que vivi os melhores anos de minha vida. Era na Praça da Savassi que curtíamos nossos momentos de ócio nos finais de semana que permanecíamos dentro de ti. Quando não retornávamos a nossa cidade.
Graças a teu aconchego carinhoso querida BH. Onde até hoje mora meu irmão. Que não a troca por nenhum lugar. Que, nas minhas andanças naquela fusquinha todo incrementado. Que me foi surrupiado numa noite pós plantão noutro hospital na Avenida Carlos Luz. Com que decepção ele foi encontrado todinho depenado. Só sobrando rodas e estofamento. Mesmo assim tenho por ti, minha querida BH, o maior apreço e encantamento.
Graças as tuas ruas e avenidas enveredei-me pelo bom caminho. Ainda me lembro, saudades deixam rastro, daquela namoradinha do Padre Eustáquio que se metamorfoseou numa borboleta linda que nunca vai ser esquecida embora já tenham passados tantos anos. Quase uma infinidade.
Graças a ti, respeitada BH. Morando naquele apartamento na Rua da Bahia com Tamoios. Quase Afonso Pena do edifico Acaiaca. Bem pertinho da igreja matriz de São José. Como fazia-nos um bem danado ir pelo viaduto Santa Tereza até mais acima. A casa das mulheres damas da Zezé. Onde nossos anseios mais impuros eram satisfeitos. E ali deixávamos nossos minguados caraminguados nas mãos estendidas das meninas não mais moças da casa da luz vermelha que não se apagava nem mesmo de noite.
Graças aos bons tempos que morei em ti, amável e amada BH. Ainda tinha pelo futebol como esporte de minha maior predileção. E sempre ia ao Mineirão para assistir ao Cruzeiro, bem antes de existir o real como moeda. Quando Tostão valia mais que um tostão furado. Quando no gol defendia aquela cor azul o goleiro de camisa amarela chamado de Vanderleia. Agora ao esporte das chuteiras acabei por trocá-las por raquetes. Já que o tênis me seduz muito mais.
Graças a ti querida e inesquecível BH. Fiz-me médico especialista. Daquela turma que jubila nesse ano em curso. Faz cinquenta anos que daquela faculdade me despedi.
Mas, de ti minha querida BH. Não me despeço nunca. Um dia irei te visitar. A saudade sempre vai nos juntar. Até quando tiver de partir, sem destino certo.