Por tudo isso tem valido a pena

Nos meus mais de setenta anos de vida poucas coisas me tem feito tanto bem.

Nomeio em primeiro lugar a família que me constituiu.

Graças a ela estou vivo. Cresci aprendendo a admirar meus pais.

Já na escola do primeiro grau os professores que tive. Foram eles quem me ensinaram a escrever palavras. A não errar tanto a tabuada. E ainda, quando chegava a hora do recreio, tentando não olhar aquela menina dos olhos claros, por ela tinha de verdade uma chameguinho talvez não correspondido, mesmo assim olhava pra elazinha. E acredito que de vez em quando ela olhava pra mim. Mas não era na minha direção. E sim de um garoto que acabou conquistando-a. E eu fiquei chupando dedo. Choramingas que sempre fui.

Uma vez já crescidinho. Poucos palmos a fita métrica media. Eles, os amigos que colecionei. Foram deveras importantes no meu aprendizado. Graças a eles todos aprendi a distinguir entre uma verdadeira amizade. E outras que talvez fossem mais falsas que uma nota de dez mil. De vez em sempre me pergunto: “pra onde foram os amigos da Costa Pereira”? Muitos deles já mudaram de endereço. Quem saberia dizer onde eles moram agora? Olhando pro alto imagino que alguns deles moram no céu.

E da mesma maneira tem valido a pena a outra família que ajudei a formar. Ela tem poucos componentes. Constitui-se de uma mulher de valor que dorme ao meu lado. Um casal de filhos que me deram de presente três netinhos lindos e peraltinhas. Com quem passo horas perdidas pensando ainda ser menino. Um irmão de sangue que mora na capital. Uma irmãzinha que mais parece um anjo a qual visito sempre quando de volta de um clube na mesma rua onde passei a infância.  E só.

Nomeio de relevante importância entre tudo que vale a pena nessa minha andança pela vida. Já que percorri bem mais da metade dos anos que me restam. A profissão na qual me meti. A especialidade foi deveras acertada. A Urologia tem me gratificado muito. Graças a ela conquistei pacientes. Que de vez em quando me param nas ruas e me lembram daquelas pedrinhas encalhadas nas vias urinárias. Das quais se viram livres graças ao meu tratamento que fez efeito. Ou outros que se viram livres do incômodo que aquela glândula crescida provocou na sua urina retida.

Anos mais tarde. Quando ainda não penso na aposentadoria por completo. Sou médico ainda não jubilado. Exerço não em tempo integral a profissão que elegi como minha metade. A segunda descoberta não me priva de amar a primeira. Tenho a Urologia como minha esposa. E pela literatura minha concubina amada amante.

Perfazem mais vinte e quatro anos que reaprendi o amor pela escrita. Dantes escrevia redações como tarefa da escola. Não fazia feio entre as letras. Mas os números ah! Eram como patinhos feios entre letras maravilhosas.

Na noite que meu pai morreu escrevi a primeira crônica. Ela se intitula Réquiem a um pai sem limites. Depois vieram mais de não sei quantas milhares. Mais de vinte mim estão arquivadas nesse sofrido computador.

Se me perguntarem se tem valido a pena escrevinhar tanto respondo. “Não sei o que seria de mim se não fossem elas. Sem tantas palavras alinhadas. Sem frases feitas e por vezes desfeitas para serem corrigidas. Sem tantos livros editados. Muitos a espera de serem adotados por consumidores de letras. Talvez não me sentisse tão feliz como tento ser”.

Metade de mim respira por aparelhos que se chamam respiro de literatura. A outra ainda tem um chamego especial pela medicina.

Nessa minha caminhada pelas trilhas acidentadas da vida tenho pela literatura a mola mestra que me move adiante.

Se tem valido a pena escrever tanto não pairam dúvidas. Lidar com palavras é bem melhor que lidar com pessoas. Palavras me fazem aquietar minha impaciência. Letras da mesma maneira exercem alguma novidade aos meus dias. Sem pensar não vivo. Sem lembranças não me encontro.

Ontem mesmo recebi uma mensagem pelo watsapp que me encheu de alegria e motivou esse texto.

Tratava-se de um colega de turma dos velhos anos de um mil novecentos e setenta e quatro.

Ano que nos graduamos na faculdade de Medicina da UFMG.

Ela dizia assim: “boa noite Paulo. A Danielle tem me falado sobre você. Coincidência mesmo já que vocês se encontraram na noite de ontem. Ela é minha residente de Otorrinolaringologia. Tenho acompanhado suas crônicas e li o Por Quem os Sinos Não Dobram (digno de um filme). Quando nos encontrarmos no fim do ano pegarei o autógrafo. Que bom que você descobriu esse dom de escritor”. (anexo consta a foto do meu romance supracitado). Assina a missiva – Tanner Arantes Borges.

Se me perguntarem se tem valido a pena escrever tanto respondo. E muito. Por tudo isso e muitíssimo mais.

 

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