Expressão corriqueira que indica não só que tudo vai bem como nada contra a conjuntura atual.
Ainda bem que os ipês floresceram. Ainda bem que a chuva logo vai chegar. Ainda bem que as águas escorrem pro mar e não ficam paradas a espera de o ônibus chegar.
Essa expressão não somente denuncia alivio, felicidade, satisfação, e coisas e loisas desse tipo.
Diz uma letra de música: “ainda bem que agora encontrei você. Eu realmente não sei o que fiz por merecer…” E por ai vai mais adiante… Ainda bem que essa música ainda não teve fim.
Tenho por mim que ainda bem merece ser lembrada sempre nos momentos mais aflitivos.
Tomo como exemplo. Quando a chuva não cai. Devemos esperar por ela pacienciosamente. Ainda bem que um dia ela vai cair. Molhando essa terra seca. Fertilizando o solo. Antes impróprio ao plantio. Ainda bem que somos privilegiados por vivermos aqui. Se vivêssemos acolá não sei o que seria de nós. Acostumados a essa terra linda onde se plantando tudo dá. Inclusive corrupção.
Tenho um amigo, de velhos tempos. Cujo nome em verdade é Aristeu. Mas por ser ele um sujeito estóico e resignado. Acostumado a toda sorte de inconveniências. Alcunharam-no de Ainda Bem. E o epíteto pegou ele de frente e a carapuça serviu.
Ainda Bem não se importa com nadica de nada nesse mundo.
Já foi uma pessoa abastada. Quando jovem enricou honestamente. Foi edil eleito com uma votação contundente. Só não se fez prefeito por terem descoberto, na sua folha corrida, algumas falcatruas que vieram à tona dias depois de sua vitória. E foi destituído do cargo por compra de votos de alguns devotos seus cupinchas que nele votaram erroneamente. Aristeu fez campanha prometendo iluminar uma pracinha que já tinha luz. E gastou mundos sem fundos distribuindo cheques sem fundo a torto e a esquerda. De esquerda ele não era. Nunca havia votado no PT.
Nos dias de agora Seu Ainda Bem. Como era chamado. Passou a viver e a conviver com a pobreza absurda. Morava debaixo da ponte. Quando chovia se mudava para outra morada. Era por baixo de um viaduto que se escondia dos credores. Ele, quando algum cobrador aparecia logo dizia com sua vozinha fanha: “ainda bem que o senhor se lembrou de minha divida. Havia me esquecido. Pode passar depois”?
Anda Bem vivia às turras com ele mesmo. Se chovia ele não esquentava a cabeça. Preocupações não eram seu forte. Se devia algo a alguém Ainda Bem que a vontade de pagar já havia passado. Se era hora de trabalhar Ainda Bem que a preguiça o fez mudar de idéia.
Ainda Bem vivia além das preocupações mundanas. “Ainda Bem que tudo vai bem”. Dizia ele, na sua placidez sossegada. Ele não se aperreava com nadica de nada. Tanto faz como se desfez se a conta vai ser paga algum dia. Mas esse bendito dia não chegava nunca. E ficava na pendura dependurada num varal esperando a conta secar.
Ainda Bem, quando alguém o chamava as falas ele simplesmente respondia ao insulto dizendo não contrariado: “você me chamou de vaca? Pensa que fiquei injuriado? Vaca tem mil e uma serventias. Dá leite. Dela se aproveita o couro. O estrume curtido vira adubo. Até o berro se aproveita. Mugido de vaca é coisa linda de se escutar. Se me chamar de capivara ai sim. Vou me zangar.”
Ainda Bem pra ele nada vai mal. Não se apoquenta se a temperatura esquenta ou esfria. Se chove não se molha. Se falta água deixa o banho pra depois.
Um dia o vi contrariado. Mas logo sua contrariedade passou.
Seu Ainda Bem já era de maior idade. Sua velhice enfim deu as caras.
Nada ainda o incomodava. Seu Ainda Bem ficou surdo como uma porta carunchada.
Quando alguém o interpelava na rua e o chamava de surdo ele respondia sem saber o que a outra pessoa dizia.
“Sou de poucos ouvidos. Pra que escutar besteiras? Se você fala e não escuto melhor assim. Meus ouvidos ficam tapados quando me dizem asneiras. Assim não me privo de ouvir o canto dos pássaros. E qualquer coisa que me agrada. Enquanto você fala mal de mim mais surdo fico. Finjo que não oiço. Assim nada me injuria”.
No tempo de vida que me resta vou seguir o exemplo do Seu Ainda Bem. Seguirei em frente escutando apenas o que me convém. O resto que se dane. Ainda bem.