Fim de carreira

No sábado que se despediu ontem. Numa corrida noturna na qual me inscrevi.

Eram apenas sete km pensava ser facinho de transpor. Mas durante a noite não tinha o costume de correr. Fazia certo calor. A poeira adentrava por nossas narinas no trajeto da estrada. Parte dela em terra batida. Saímos em turma numa correria insana. Os mais jovens e lépidos a uns passos adiante. E eu, idoso não vaidoso, num ritmo tartaruguento, teimava em acompanhar os da frente. Mas logo fui deixado na rabeira. Perdido na escuridão reinante.

Por sorte uma lanterninha enfiada na minha cabeça era como se um vagalumezinho tentasse iluminar o caminho. Mal sabia por onde iria. Naquela estrada poeirenta. No meio de um cafezal sofrido pela seca dominante.

Antes acostumado a longos percursos em carreiras anteriores pensava ser aquela o final da minha caminhada vida afora.

Quando vai ser meu final de carreira?

Afinal, somam-se aos meus setenta e quatro anos de vida nesse mundão lindo e de tantas histórias pra contar. Cinquenta outros anos de graduação nessa profissão que elegi. Perfazendo outros tantos de um mourejar continuo na medicina. Entre cirurgias e plantões que varavam noites. Entre idas e vindas de um emprego ao outro. Enfim pensei que seria hora de parar.  Mas parar por completo só quando meu coração parar de tiquetaquear. Ainda tenho saúde a emprestar aos outros. Disposição não me falta. Minha vontade ainda não me fez pensar no ócio já que penso ser ele o começo do fim.

Naquela carreira terminada no último final de semana pensei ser a minha derradeira. Mas como parar por completo se minhas pernas exigem movimento? Se ainda me sinto pleno e ainda longe da aposentadoria. Pretendo, por meu desejo, continuar do mesmo jeito como estou. Acordando ao nascer do sol antes que a lua se esconda nesse céu de brigadeiro que nessa manhã se mostra.

Viver em plenitude máxima. Aqui estando a mesma hora costumeira. Retratando o que minha imaginação dita. Numa vida que me permita sentir e não deixar os sentimentos guardados aqui dentro. Pondo pra fora angústias e decepções.  Não guardando mágoas e ressentimentos.

Não sei ainda quando vai ser o fim de minha carreira. Pretendo percorrer longas distâncias. Se já corri léguas com minhas pernas andejas por que pensar em parar algum dia?  Graças as pernas fiquei de bem comigo. Graças a elas ainda tenho muitos dias, meses, anos para viver.

No entanto, quando meu existir perder o encanto. Quando não mais puder ditar o ritmo de minhas passadas. Quando minha respiração fraquejar. Quando não mais puder abraçar aqueles que amo. No dia em que não tiver mais disposição para extravasar a emoção que sinto nesse momento quando escrevo. Talvez seja sim o final de minha carreira.

Mas ainda penso que ela esteja distante. Pena que não possa vaticinar quando vai ser o final dos meus dias. Melhor assim. Permanecer na dúvida quando minha carreira terá fim.

Já vivi muitos anos. Passaram-me dias. Meses se foram. Lembranças ainda estão guardadas dentro de mim.

Saudades me consomem. Vidas de muitos se foram e ainda são sentidas. Entre eles merecem menção meus pais.

A minha carreira nesse final de semana superei sem maiores percalços. Outras advirão.

Quantas mais? Não faço questão de adivinhar quantas serão.

O que vale é viver o dia de agora. Com o sol que me acalenta. Com essa luz que me alumia. Vivendo a cada dia como se fosse o último. Na incertitude do futuro na certeza que o passado se foi e não vale a pena ser lembrado sempre. Embora nos traga boas recordações.

Tenho a certeza que outras carreiras virão. Graças as pernas que me conduzem a minha carreira pela vida e pela profissão que escolhi não vai ter fim numa proximidade ainda indefinida.

Meu final de carreira vai ser num dia ainda desconhecido. Ainda bem que não tenho o prazer de conhecê-lo.

 

 

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