E eu que pensava ter tudo na vida.
Tenho casa pra morar. Cobertas pra me agasalhar. Um quartinho escuro onde dormir.
Um refúgio onde me esconder, nas madrugadas frias, onde escrevo ao nascer dos dias.
Uma família, embora pequena, que me ampara quando mais preciso dela. Uma rocinha pra onde vou sempre aos sábados. Onde reencontro a paz que tanto procuro. Lugar ermo, mas nunca esquecido desde quando aqui cheguei vindo da bela Espanha. Trazendo na maleta de médico sonhos ainda acalentados. De exercer minha profissão mais e mais deixada ao revés de tudo aquilo com que sonhava. Nos dias de agora entregue as mãos de jovens esculápios. Os quais, ao revés de perder seu precioso tempo examinando os pacientes logo partem a pedir exames custosos e por vezes não elucidativos. Que demandam tempo e quando chegam a doença já se instalou inexoravelmente. Pondo em risco a saúde de quem os procura. Já que o tempo ruge como um leão faminto.
Já tive maiores ambições. Agora me basta e me faz feliz ter um cantinho gostoso onde escrever. Satisfaço-me com um cadinho apenas. Confesso, sem temor de errar, que o que ganho agora é mais que suficiente para viver confortavelmente. Não dependo de ninguém para ser feliz já que passei a entender que a felicidade se encontra fugazmente em alguns momentos apenas. E ela escapa ao menor descuido. Quando menos pensamos ela se ausenta.
Já tive momentos de introspecção e apatia. Agora felizmente o sol saiu por entre as nuvens. Deixando o clarume do céu me embebedar de tão contente.
Pra que mais. Por vezes me indago. Pra que viver às turras com a velhice? Se ela chega independente de nosso desejo?
Pra que mais se tenho quase tudo com que sonhei dantes? Uma saúde se piorar não melhora. Uma disposição mesmo que me sinta mal procuro bem estar comigo mesmo.
Se me falta alguma coisa não tenho medo de procurar mais adiante. Quem sabe a encontre mais além.
Pra que mais se tenho tudo que desejava. Agora talvez me falte apenas tocar as estrelas. Já que a lua já a encontrei nas noites enluaradas. E por ela me enamorei.
Pra que mais se agora penso que ter muito mais não mais me satisfaz. Contento-me com um cadinho apenas. O pouquinho que conquistei vai dar com sobra pra ser feliz até quando, não sei.
Pra que mais felicidade se a tenho presa dentro de mim. E tenho o prazer de reparti-la com outrem se por ventura ela faltar.
Pra que mais se esse mais não faz parte dos meus melhores momentos? Contento-me com muito pouco. Um cadinho me basta.
Aprendi, durante esses anos todos que tenho de vida. A me calar quando as discussões não me dizem respeito. A ouvir e não entrar em discussões acaloradas. Prefiro o calor do sol ao frio das madrugadas.
Agora, que já não sou mais criança. Quando brinco com meus netinhos. Troco com eles amenidades e carinho. Sinto-me bem entre idosos e jovenzinhos. Não me perco em encruzilhadas já que conheço bem a estrada por onde caminho.
Pra que mais? Já que penso ter tudo. Talvez me falte um cadinho de nada. E, quando jogarem na minha cara que estou velho respondo: “já vivi o suficiente. O que vier pela frente é lucro”.
Pra que mais? O que me falta ainda?
Falta-me, talvez, mais paciência. Mais concordância com tudo aquilo que não concordo. Menos sofrência já que não posso mudar o destino do mundo. Ambição a tenho sob freios. No entanto não posso deixar esse mesmo sentimento aqueles que me sucederem. Talvez me falte um cadinho de compostura. Mas adoro pilheriar quando o ambiente se mostra taciturno e sombrio.
Pra que mais? Por vezes me pergunto. E transfiro essa mesma questão a vocês, meus amigos.
Se tenho de tudo pra que desejar mais ainda? Se a vida que tenho levado me faz feliz. E não tenho a intenção de deixar essa alegria escapar? Deixo a vocês esse alento. Vivam, cada um de vocês, de acordo com suas conveniências.
A mim me basta, com sobra, pra ser feliz. Tudo que amealhei vida afora. Pra que muito mais? O que tenho me basta, e me sinto feliz em dividir meus escritos com vocês, meus leitores.