Não era propriamente feio aquele menino.
Desprovido de qualquer traço de beleza ele sempre era preterido pela aparência a cada lugar onde aparecia.
Feio não era sabidamente o termo. Horrorivel (perdoem-me a palavra recém criada), era mais desprovido de encantos que uma seriema sem pernas. Manquitola e meio vesga. Pelada na cacunda. Desiludida na bunda pois não a tinha. Com aquele penacho que deveria enfeitar o alto da cabeça faltoso da mesma maneira. E elazinha, de tão feinha que era, acabou se consorciando não com o seriemo macho como de costume. E sim com uma coruja zoiuda e nariguda. Que, ao girar o pescoço fazia o cupim onde morava sorrir de desgosto.
O tal menino quase não sorria. Também pudera. Só tinha um dentinho na parte de cima. Na de baixo faltavam todos. Era de uma banguelice de causar inveja aqueles que exibiam na boca uma dentição perfeitinha.
Na escola a mesma ladainha. Quando ia a missa rezava sozinho pertinho da sacristia. E nem o padre, velho amigo, condoído da sua situação, conseguia atenuar a infelicidade do desinfeliz menino.
Na aula era um prodígio prodigioso. Era bom com os números. Fazia conta de cabeça. Com aquela cabeçona, que mais parecia uma melancia das grandes. Quando usava um boné sobrava espaço para mais dois.
Na lida com palavras não fazia feio. Só tirava notas boas inclusive na arte da pintura. Só que a professora, com medo de cara feia, na hora da lição evitava olhar na carantonha desprovida de qualquer formosura daquele garotinho cujo nome era Pedrinho. Mas desde cedinho foi epitetado de Esquisitinho. Já se advinha o porquê dos porqueres dessa porcariada toda.
Pedrinho crescia com um patinho feio na lagoa linda. Sua mãe até que não era tão feia como lhe saiu a cria. Seu pai sim justificava a feiúra do filho que com ele se assemelhava. Fora o nariz adunco e as orelhas de abano. Herança de um tio torto que de tão feio foi aproveitado num filme de terror por sua parecença com o conde Drácula.
Quase na maior idade Esquisitinho deixou a escola. Já era tempo. Ali não tinha sossego. Na hora do recreio elezinho não podia recrear. Era marginalizado pelas meninas. Os coleguinhas dele troçavam e evitando-lhe a companhia.
Só que, num futuro não tão distante, como da terra ao sol, afinal descobriram que, por debaixo daquela pele de cordeiro se amoitava um cisne negro. De dotes nunca dantes navegados em mar revolto ou calminho que seja.
Pedrinho, que seja Esquisitinho, em verdade era dono de uma genialidade sem par ou impar. Era tido fora de série tanto na lida com palavras assim como eu não me dou bem com numerais.
Aos vinte e poucos descobriam seus vários talentos. Foi levado a uma universidade nas terras do Tio Sam. Ali sua feiúra não incomodava. Nem seus dotes artísticos que não possuía.
Pedrinho, graças a sua inteligência maiúscula foi, pouco a cadinho, redescobrindo a sua verdadeira vocação que não era a beleza. Já que dizem que ela pôe mesa mas acaba, com o passarinhar dos anos, se escondendo debaixo da mesa. E nem com milhares de cirurgias plásticas essa tal beleza se mostra mais.
Depois de alguns anos nos States Esquisitinho concluiu seu mestrado e doutorado com louvor. Foi guinado a professor titular da universidade de Harvard. Onde dava aulas de literatura portuguesa. De informática e incluso de sapiência aos que desconhecem o que seja isso.
Num inverno frio. Nevava no hemisfério norte. De férias no Brasil. O professor doutor Pedrinho Esquisitinho foi convidado a proferir uma palestra na escola onde passou parte da sua infância onde sofria bullying por sua aparência esdrúxula.
Ali compareceu sob outro nome. Já que tentava encobrir sua verdadeira identidade.
Designou-se, no cartaz de apresentação, como se fosse o patinho feio em outras roupagens.
A sua fala foi coroada de êxito.
Aquela patinho feio acabou se convertendo num lindo cisne branco.
Dai a minha conclusão. Não se deixem levar pela cor que se mostra por fora. Por dentro se esconde a verdadeira alma da pessoa.