Zé Gotinha

O tempo passa. A gente envelhece. Deixa a infância anos atrás. A mocidade desaparece no calendário dos anos.

E acabam aparecendo as macacoas. Enfermidades tomam conta da gente. O andar claudica. A acuidade visual se torna opaca devido a uma tal cachoeira. Que os médicos dos olhos denominam catarata. A vontade de fazer amor fracassa devido a falta de empinar a pipa escondida por dentro da cueca. Até mesmo a clarividência fica apenas na lembrança de fatos pretéritos esquecendo-se do que comemos no dia de ontem. Até que nos levem dessa vida boa a um lugar pra maior parte desconhecido. E não se tem noticia do que nos espera em outra vida, se é que ela existe. E assim caminhamos. A passos trôpegos. Abengalamo-nos titubeantes em direção ao nada já que não temos nada a fazer.

Num certo ponto de nossa vida fecunda. Antes que a terra nos abocanhe. Passamos a ter medo da noite. Não que ela não nos inspire confiança. Mas ao tentarmos dormir. Lá pelas horas tantas da madrugada. Se não corrermos lépidos em direção ao vaso sanitário acabamos encharcando o colchão e suas cobertas. E pobre daquela que ressona ao nosso lado. Dona Maria vai ter de trocar toda a roupa de cama inclusive tomar um bom banho. Caso nosso xixi acabe por ensopá-la todinha.

Depois de certa idade. Quando a maior idade chega. As tais doenças da próstata hipertrofiada passam a nos incomodar. De repente, repentinamente, nos vem uma vontade imperiosa de urinar. O jato fica fraquinho e gotejante. E quando dói é indicio seguro de uma infecção urinária que confere mal cheiro a urina. A noite se repete a ladainha. Até quando não tem mais jeito. Já que a urina represa. Enche a bexiga de tal jeito que não se pode mais protelar a operação. Ainda bem que tem solução. Acuda em boa hora. Se deixe examinar antes que o mal espiche. Procure seu médico especialista a partir de quarenta e cinco. Se por ventura de uma desventura ocorrer algum caso de câncer na próstata na sua parentalha procure antes. A partir de quarenta se recomenda.

Não foi bem o caso do Zé Gotinha. Seu nome de verdade era José Amâncio Sobrinho.

Mas pegou Zé Gotinha desde que ele era jovenzinho. Acontece que, desde cedo, quando ele chegava num botequim infecto. Não contagioso, mas gostoso de ficar até altas horas se encharcando sem pagar. Ele tinha o costume de beber todas. Saia quando intimado. Mal educado. Quando o dono lhe exibia a conta ele dizia num palavreado chulo: “ah! Só bebi uma gotinha de nadinha. Se não pagar nem eu. Põe na conta de um tal de Abreu.” Que por infelicidade era eu.

O tal Zé, como todos, envelhecia. Solteirão convicto não parava de beber. A principio era cachaça mesmo. “Das boas!” Ele ruminava.

Na hora de pagar era aquela peleja. O dono do bar, já acostumado ao calote, nem insistia e logo desistia.

E Zé Gotinha, em plena hora ruim, das galinhas se empoleirarem. Deixava o estabelecimento sem saber pra onde iria. Exalando da sua boquinha um hálito etílico de canjibrina (pinga ruim), pros entendidos.

Numa certa hora. Já que Zé Gotinha não tinha hora pra nada. Nunca trabalhou deveras. Vivia as custas de uma tal prima de nome Vera.

Uma vez chegado a uma certa idade. Lá se foi a mocidade anos atrás.

Zé Gotinha começou a urinar devagar quase parando. De minutinho a segundinho lhe vinha um desejo imenso de ir ao banheiro. Se não encontrasse uma portinha aberta fazia ali mesmo. Ou então ensopava a cueca.

Numa certa idade passou a usar fraldões. Um pedaço de pano improvisado que dantes era pano de chão mesmo.

Aos mais de setenta não conseguia urinar por ele mesmo. Foi então que acabou me procurando.

Foi numa manhã de sexta feira o acontecido.

Do lado de fora da minha sala se ouvia um alarido. Era a vozinha fanha do Zé Gotinha suplicando à minha secretária para pagar depois. Quando desse e o bom Deus ajudasse.

Ele acabou por assinar uma nota promissória sem firma reconhecida no cartório dos aflitos.

E acabou convencendo a ela, mas não a mim.

Seus reclames já o sabia de contramão. Era o problema na urina que dantes só saia em gotinhas; mas nessa hora entupiu de vez.

Não tive como não atendê-lo. Tratava-se de uma urgência premente. Não premeditada ou inconsequente.

Acabei por introduzir uma sonda na sua uretra estreita. Ele, ainda por cima tinha uma fimose tal e qual um bico de lamparina que nunca deixou ver a luz do dia.

Zé Gotinha, usando aquele estrupício enfiado na sua bexiga se despediu de mais eu prometendo retornar no retorno pagando a consulta.

Se ele não pagar, por favor, eu lhes peço.  No ponham na minha conta. Não mais me chamem Paulo Expedito Rodarte de Abreu.

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