Fazia um frio de fazer esquimó se enrolar numa montanha de cobertor e tentar dormir com o aquecedor ligado.
Até as estrelinhas se amontoavam por baixo de um espesso cachecol de nuvens cinzentas.
Mas quem disse que iria chover? O céu se mostrava azul como o mar calmo sem ondas ou marolinhas.
Uma camada densa de gelo cobria a pastaria. Geou durante a noite.
A chuva não dava o ar da graça fazia exatos seis meses.
O açude secou deixando a mostra seu fundo rachado. Alguns girinos tentavam sobrevier em meio a um lamaçal e algumas heróicas plantinhas ainda vivas não se sabe por quanto tempo.
O frio, naquele mês de agosto, nunca se viu coisa igual. Julho até que não nos fez enregelar tanto. A temperatura foi amena mal passando dos vinte graus na parte mais fria da madrugada.
As criações exibiam suas costelas. As vacas mugiam de fome. Bezerrinhos despencavam das vaginas de suas mães e não duravam mais que um dia sequer. Morriam de inanição. Mal formados não tinham como sobreviver naquele ambiente hostil.
E agosto, em sua metade, não dava sinais que o tempo iria melhorar. Ao revés. A friagem se intensificava. Até parecia que poderia nevar.
O estóico homem do campo punha as mãos pro céu e orava. Pedia pela vinda de uma chuvica mansinha. Qualquer aguinha seria bem vinda desde que não tardasse tanto.
Seu Pedro, gente boa, cujo único defeito era ser bom demais. Tinha como virtudes, além de bondade excessiva. Uma baita compaixão brotava dentro dele como uma flor num charco alagadiço.
Nada o fazia desanimar daquela situação calamitosa em que todos se encontravam. Enquanto arregaçava as mangas distribuía mangas maduras à porcada faminta.
Alimentava sua meia dúzia de vacas com uma vegetação que teimava em brotar no brejo quase seco de nome São José. A rocinha de milho plantada recentemente não vingou. Nem se embonecou vindo daí espigonas graúdas que suas vacas apreciavam mastigar para depois ruminar.
Era aquele deveras um tempo de vacas magras. Um segundo semestre que começou de mal a pior.
Não bastasse tudo isso o preço do leite despencou. Por um litrinho de leite quentinho, tirado das tetas das vacas e depois resfriado num tanque que lhe custou os olhos da cara e ainda pago a prestação. Seu Pedro recebia quase nada. Nem lhe dava para pagar os custos da produção. Que orçava em mais de dois reais cada litro.
Nesses meses sombrios o sol brilhava lá nas alturas. Em contraste aqui nas baixuras imperava a escuridão das trevas.
Agosto entrava em sua metade. O frio persistia não se sabia até quando. Nem sinal de chuva. As noites eram estreladas e gélidas,
A vacada sofria com as geadas. O pasto seco era um prato cheio às queimadas.
Nada se podia fazer a não ser esperar. Quem saberia dizer, se nem a meteorologia podia predizer com exatidão. Qual dia iria chover.
A cada manhã, depois de mais uma noite indormida. Seu Pedro rezava. Pedia ao seu santinho protetor que lhe desse apenas um presentinho. Uma chuvinha mansa que de novo enverdejasse a pastaria. Fizesse brotar novamente as minas. Ressuscitasse o açudinho. E salvasse os girinozinhos para que eles se metamorfoseassem em sapos graúdos.
Era tempo de vacas magras. De desemprego e desespero no campo e em contrapartida nas cidades. Se continuasse assim em pouco tempo não teríamos o que comer. E seriamos fatalmente submetidos a uma dieta asfaltica.
Agosto terminou em desgosto. Chuva que é bom, nada.
O tempo de vacas magras acabou com mais de duas dúzias delas exibindo suas costelas a mostra. As restantes foram deixadas mortas de pasto aos urubus.
Enfim setembro aterrissou na terra ressequida e sofrida por falta de chuva. O sol de repente acinzentou-se. Despencou uma aguaceira vinda do alto. A tão esperada chuva afinal deu a cara molhada.
A vacada engordou. A roça de milho cresceu. A pastaria verdejou.
Enfim seu Pedro sorriu novamente. Foi decretado o fim das vacas magras. E tudo voltou como dantes no quartel de um tal de Abrantes. Que nem sei quem foi.