Quem não pensa não sonha. Quem não sonha pensa não existir.
Era esse o pensamento daquele menino. Nascido num ano distante.
Numa rocinha erma. Fincada num fim de mundo.
Seu nome era Tarcisio. Tarcizinho, para os íntimos.
De diminuta estatura ainda menino. Pouco espichou anos mais tarde.
Tarcizinho de pé não media mais que alguns centímetros. Destoava dos irmãos mais longevos, de tão altos poderiam trocar lâmpadas sem escadas.
Elezinho era diferente dos demais por um singelo detalhe. Vivia com a cabecinha lá no alto. Quase tocando as nuvens. Ensimesmado, parecia não morar aqui nessa galáxia e sim num planeta distante.
Na escolinha rural. Nas proximidades da porteira. Debaixo de uma amoreira vetusta. Ali era tido como um ET. Só faltava uma bicicletinha para voar as alturas. Na companhia de seus amiguinhos humanos. De volta ao seu planeta de origem.
Tarcizinho era um aluno exemplar. Só que, ao invés de prestar atenção ao que a professorinha ensinava, rabiscava versinhos no seu caderninho pautado.
Um deles dizia assim: “se as coisas são inatingíveis… ora! não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas”! (Quintana).
E a vida passeava indolentemente devagar. Tarcizinho divagava. Sofismava sem deixar de pensar.
Elezinho costumava armar uma arapuca na intenção não de capturar passarinhos incautos em busca de comida fácil. E sim para vê-los se desvencilharem daquela armadilha cuidadosamente preparada no terreiro nos fundos de sua morada.
Era comum rolinhas desavisadas passarem por ali. Assanhaços azuis eram os mais difíceis de ludibriar. Mas pássaros pretinhos de vez em quando se deixavam prender dentro da arapuca feita de bambu. Mas logo Tarcizinho os soltava. De pronto via-os de novo voarem livres leves e soltos em direção aos céus de onde vieram.
Um dia, já se faz distante, ao passar por ali. Numa visita veloz como o vento que assobia trinados de bentevis. Gostaria de ver como estava o garotinho Tarcizinho.
Bem o sabia das suas idéias mirabolantes. Do seu apreço as coisas perdidas onde nem a vista alcança. Do seu costume de não se ater as coisas mundanas. Da sua capacidade de se elevar aos céus mesmo aqui em baixo.
Revirei quarto por sala. Na cozinha elezinho não se encontrava. Na salinha modesta, naquele sofazinho encardido pelo tempo nada de vê-lo.
Fui mais uma vez verificando cômodo por cômodo. Sem me incomodar com quem passasse ao meu lado.
Mas nada de encontrar o tal menino. Na casinha da árvore que ele mesmo fez nada dele. Dentro da horta de couve só encontrei beterrabas e algumas cenourinhas fora da terra. Decerto alguma galinha deve ser a culpada por tal encontro.
Continuei a procura de Tarcizinho. Onde estaria o menino?
Perguntei a voz alta mais uma vezinha só: “alguém viu o garotinho Tarcisio?”
Nem o vento assobiou aos meus ouvidos moucos. Nada de encontrar o paradeiro daquele menino esperto. Um etezinho fora de órbita. Um poetinha nanico que cresceu apenas no cérebro. Esquecendo-se das pernas e do resto do corpinho de pouca estatura.
Foi quando me lembrei da tal arapuca que ele mesmo fez com bambus já maduros entrelaçados num cipoal bem intrincado.
Tarcizinho lá estava. Tentando soltar uma rolinha presa na malha daquela armadilha feita não para aprisionar passarinhos incautos e sim para de novo libertá-los soltos pelos ares.
Tentei fazê-lo voltar à vida de corpo presente. Mas ele se ausentava de tudo e de todos.
Em alguns minutos ele enfim me respondeu ao que a ele perguntei: “o que você esta fazendo Tarcizinho? Não me ouviu quando o chamei”?
Ele singelamente voltou seus olhinhos inquidores em direção a mim e disse quase monossilabicamente: “minha mente é uma arapuca de idéias. Elas avoam como pássaros em direção aos céus. Onde vivo? Nem eu sei”.
Deixe-o entregue aos seus pensamentos. Soube, anos depois, que o garoto de nome Tarcisio se tornou um dos mais fecundos poetas que já viveu.