Assim que a velhice toma conta da gente como ervas daninhas se esparramam num jardim mal cuidado. Antes que a inutilidade que nos consideram nos intime a parar de trabalhar.
Antes que as enfermidades se aboletem em nosso corpo alquebrado pelos anos. Bem antes que a clarividência nos deixe assentados a um banco da praça com olhos perdidos no vazio do nada.
Assim que nos declaremos aposentados. Depois de uma vida inteira dedicada à família entremeada de atropelos e desilusões.
Após sermos considerados inaptos ao trabalho. De termos ensinado aos jovens tudo que aprendemos à custa de esforço próprio.
Ai sim. Nesse momento que deveríamos subir ao pódio as medalhas e condecorações devidas não são fincadas em nosso peito de inestimáveis trabalhos prestados. E sim noutros desconhecidos. Que nada fizeram em vida. Mas são reconhecidos por méritos considerados nada louváveis. Coisas e loisas que nos tempos modernos se costumam prezar mais que aqueles que dantes eram tidos de maior valor.
Hoje se endeusam falsos ícones. Pra mim ídolos de pés de barro que não resistem à força de uma tosca enxurrada.
Dá-se valor aos tais influenciadores digitais. Que em verdade nada tem a influenciar a não ser coisas ruins fincadas em mentes inexperientes.
Valorizam-se corpos apolíneos. Pessoas desprovidas de nada que lhes possa enfeitar por dentro.
Esse meu amigo, de nome Pedro. Ele sim. Era um exemplo de retidão. Amor ao trabalho. Dedicação a família. Solidariedade e amor ao próximo.
Pedro passou bem mais da metade dos anos que lhe restam numa fábrica de autopeças.
Na juventude fez de tudo um pouco. Engraxate, flanelinha, empacotador num supermercado. A infância foi de um duro aprendizado. Só não aprendeu a roubar honesto que sempre foi.
Assim que os anos lhe pediram carona Pedro continuou a trabalhar. Ainda se sentia capaz de fazer quase tudo que fazia antes. Era uma pessoa, segundo aqueles que o conheciam, cujo único defeito era bondade pura.
Nunca se esquivou em ajudar aos outros. Sempre prestimoso em socorrer a quem quer que fosse.
Aos mais de setenta pensou ser a hora de lhe dar um descanso. Por mais que merecido.
Mas nem sempre a vida nos presenteia com uma aposentadoria que vai suprir nossas necessidades mais prementes.
O salário de quando ainda éramos ativos mal dava para nossa sobrevivência. Imagine agora, aposentados com apenas dois salários mínimos que nos esmola a tal previdência social.
Naquela idade tida provecta seu Pedro tinha de trabalhar para sustentar dois filhos cangurus que viviam ao Deus daria se o pai desse.
Ele, com sua experiência e competência profissional. Saia de casa sempre a mesma hora. Procurava empregos referendado por uma folha corrida sem rasuras ou manchas.
Era preterido por mais jovens dizendo que voltasse noutra hora.
Seu Pedro persistia em busca de outra ocupação.
Durante a noite indormida orava ao seu santo de devoção que lhe arranjasse um trabalho. Qualquer coisa lhe serviria. Já havia feito de tudo. Experiência não lhe faltava. Capacidade não lhe pesava nos costados.
Até que um dia. Quando pensava em desistir. Inclusive da vida. Numa manhã ensolarada. Era ainda madrugada.
Ao passar pela porta de uma boate. Ao ver o porteiro da noite esfregando os olhos de sono. Ao gerente pediu guarida.
Foi imediatamente empregado.
Naquela idade avançada. No avançar das noites. Só restava aqueles senhor de valor passar as noites contando estrelas.
Foi a única e última ocupação que restava aquele homem bom. Contar estelas sonhando com dias melhores.