Quem sabe de uma próxima vez?

Hoje a chuva felizmente deu a cara molhada.

Julho estava seco. As nascentes careciam de pingos de chuva. Uma chuvinha mansa caiu de repente. A noite toda escutei seu alarido.  Gotas de chuva tamborilavam no vidro da janela.

Como de costume meu sono foi breve. Acordo durante a noite. A cama me cospe cedo. Não consigo conciliar o sono por mais que cinco horas. Pra mim é o bastante.

Levanto-me bem disposto. Penteio o que resta dos meus cabelos. Escovo os dentes que me restam da mesma maneira que no dia de ontem.

Saio de casa antes das sete. Esta chuvinha agradável absolutamente não impediu a minha caminhada curta até meu consultório.

Aqui chego pensando na vida. Nos quase sessenta e nove anos que me esperam.

Penso, via de sempre, em como manter a juventude. Tentativas vãs. Ela se foi há anos passados.

Tento fazer tudo que os jovens fazem. Não levo a sério a seriedade dos velhos. O motivo: ainda não me sinto velho. Uma criança ainda mora em mim. Da mesma idade do meu neto.

Mas, ao me olhar no espelho, e tentar confabular com o que vejo, pressinto que nem tudo que ele mostra enseja mocidade. Rugas passarinham pelo canto dos olhos. A cabeleira ancha deixou em seu lugar um descalvado brilhoso. As têmporas embranqueceram. O ex-jovenzinho partiu rumo a um lugar ignorado. Pra onde foram meus verdes anos? Onde se esconde aquele garotinho peralta? São respostas as quais descobri dentro do meu baú de lembranças.

Em agosto recomeça o período letivo. Theo, meu netinho artioso e danadinho, na segunda-feira vai a escola pela vez primeira. Se pudesse iria junto a ele. Esconder-me-ia na sua mochilinha, ou na sua merendeira.

Ah, se eu pudesse! Recomeçar tudo de novo. Voltar aos verdes tempos com mesma clarividência de agora. Corrigiria os senões. Não teria me enveredado pelos descaminhos trilhados. Certamente abraçaria os mesmos filhos que tive. E me consorciaria com a mesma mulher com quem passei a noite. Uma noite chuvosa. Chuva esta que faz verdejar o campo. Sorrirem as flores. E quem saber ressuscitar amores?

Tenho tentado de tudo para rejuvenescer. Exercito-me ao máximo que meu fôlego permite. Dispenso o carro nas atividades diárias. Procuro me aculturar com o que leio na internet. Escrevo com a velocidade de um beija flor em seu voo lépido. De flor em flor, de lugar a lugar.

Só que todo esforço não tem dado resultado. Meu cabelo se foi. As rugas passarinham-me a face. Pra onde foram meus quinze anos? Certo que eles foram deixados num passado que me corteja tanto. Nada posso fazer para reeditar meus vinte anos.

Hoje, nesta quinta-feira chuvosa, ela ainda cai em pingos amenos, como de costume passo pelo portão de um colégio.

Antes que ele se fechasse adentrei pela sala de aula. Tentei assentar-me a uma carteira dos fundos. Para que os alunos não notassem a presença de um intruso.

A professora de português já conhecia meu lado escritor. O médico por detrás dele ainda existe.

Ela, num piscar d’olhos acedeu ao meu desejo de ali permanecer. Não como professor. Como aluno.

A aula terminou. Saí de fininho para não ser notado. Alguns meninos mal deram pela minha presença. Outros estranharam um desconhecido de maior idade ali pertinho deles.

Assisti à aula sem levantar a mão para tentar dirimir alguma dúvida. A maior delas por certo a professora não saberia responder. “O que fazer para voltar no tempo”? Ninguém ainda descobriu como proceder.

Na intenção de rejuvenescer faço tantas coisas. Malho nos ferros da academia. Tenho pelas letras o maior respeito. Ajo como os jovens. Pelo menos tento.

No dia de hoje tentei me reinventar. Adentrei pelo portão de um colégio. Assisti a uma aula inteira sem me manifestar. Fui bem comportado. Ao revés do que fui há anos tantos.

Tudo na intenção de voltar no tempo. Ser criança de novo. Ou um estudante como fui. Nos verdes tempos que não voltam mais.

Deixei o colégio antes do turno da manhã. Afinal precisava trabalhar. Pacientes me esperavam a partir das oito. Um emprego após as dez.

Fiz tudo aquilo, passei agradáveis momentos entre os jovens, tentando rejuvenescer.

De nada adiantaram as tentativas. Quem sabe de uma próxima vez? Vou continuar no meu propósito de rejuvenescer. Até quando? Não sei…

 

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