Por favor, traz de volta…

Hoje acordei pensando ao revés.

Cedo, como de costume.

Por que não fazer voltarem as horas, deixar os dias de hoje aquietarem-se, e não pensar noutra coisa senão no passado?

Foi com este sentimento que desci a rua. Estava frio. A temperatura mais tarde vai esquentar. Mas no momento do meu descimento fazia cerca de doze graus centígrados.

Quase antes de chegar ao meu destino final dei uma passadinha na igreja principal. Ela estava quase entregue aos seus santos e imagens estáticas. Fora eu e minhas orações curtas.

Gosto da igreja matriz assim como a deixei. Solitária, própria a meditações, a agradecimentos, mais que os pedidos que ali ficaram.

Não tenho do que me lamuriar da vida que tenho levado. Graças ao Deus Pai tenho tudo que desejo. Mesmo os desejos mais reconditamente escondidos todos são agraciados por alguém que não se deixa ver, mas nalgum lugar Ele está.

Durante os breves instantes em que ali permaneci pedi pela minha família. Pelos netos, por outros que um dia virão. Pedi e agradeci pelo dia lindo que lá fora se permitia ver. Pela saúde dos pacientes que nas filas de espera da saúde pública tenham seus males aliviados. Se não curados completamente. Supliquei pela minha saúde. Até no presente momento ela tem sido um presente recebido graciosamente. Nestes quase setenta anos de vida plena.

Antes de deixar aquele templo católico, não sou de ir à missa, como costumava nos verdes anos, ao olhar para o altar mor daquela igreja, fiz mais um pedido breve.

Já que não tenho a chance de voltar ao passado, que alguém intercedesse junto a Ele, para que eu voltasse pelo menos no tempo.

Com a mesma experiência de hoje. Para não incorrer em tantos erros.

Quem sabe, na sua onipresença divina, pudesse celebrar meus anos antigos, com a mesma ligeireza das pernas que me servem de muletas nos dias de agora.

Como seria bom ter meus pais ao lado. Com todo o carinho que não pude demonstrar em suas presenças amantíssimas. Como seria alvissareiro ter todos os amigos por perto. Mesmo aqueles que já morreram. Se aquela imagem sacrossanta pudesse trazer de volta meus vinte anos não sei se percorreria todo o caminho trilhado. Com os mesmos passos incertos. Talvez me fizesse melhor. E não cometesse tantas injustiças nesta vida pela qual tenho passado.

E que tal trazer de volta a mesma menina doce com quem um dia tive um namorico. Por certo não seria tão feliz como com a pequena grande mulher a qual esposei.

Trazer de volta o passado, não sei se me causaria revolta. Mas seria bom voltar no tempo, e ver como seria a minha pessoa com mais discernimento. Mais tranquilo, mais sóbrio, pensando mais no próximo do que em mim mesmo.

Antes de sair daquele templo santo, vazio aquela hora, ainda fiz um último pedido, entre muitos que gostaria de ter feito.

Gostaria imensamente  de trazer de volta aquelas calças curtas feitas com o mesmo tecido do terno do meu avô. Quando, em seu colo, ele cuidava de mim naquela pracinha verde da Boa Esperança onde nasci.

Afinal, sempre foi este meu sonho de trazer de volta. Voltar a infância perdida. Viver tudo de novo. Até chegar melhor até onde estou. Neste dia lindo de inverno ensolarado. Sem os defeitos de hoje. Desvestido dos meus senões.

Já que não posso trazer de volta tantas coisas boas, que pelo menos consiga devanear por anos e anos mais. Com a mesma inspiração que me assalta. Lúcido, se bem que um tanto insano.

Já que não posso trazer de volta meus vinte anos, que possa voltar pensando como o retorno foi bom. Em pensamentos escritos apenas. Em filosofias vãs. Em conjecturas banais. Em pensamentos vazios.

Ah, antes de trazer de volta tantos momentos, antes que eles caiam no esquecimento, deixo aqui meu testamento, em vida, nestes exatos trinta minutos que duraram este texto. Bem menos que meus vinte anos. Ou os meus sessenta e oito. Logo acrescidos de mais tantos.

Mas não tragam de volta meus prantos. Ou toda a infelicidade que um dia, porventura,  semeei.

 

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