“Estou chegando”

De tempos pra cá tenho tentado encompridar a vida. Faço as noites mais curtas. Durmo a mesma hora de sempre. Mas nada tem resolvido a minha intenção de viver mais e mais. Pois não imagino a hora de me despedir. Qual a razão desta minha intenção? Ontem tive a resposta a esta questão.

Ao fim da tarde, começo da noite, depois de passar horas felizes ao lado do meu primeiro neto, o já conhecido Theo, que deve estar dormindo a esta hora temprana, fui, com minha parceira de tantos e tantos anos, distribuir um convite para uma efeméride especial.

O pequeno pedaço de papel assim dizia aos convidados: “estou chegando. Venham a minha festinha mesmo eu não estando presente. Mas estarei esperando por todos vocês, amigos de meus pais, ao chá de fraldas que acontecerá ao fim desta semana, na casa dos meus avós”.

Já era quase oito da noite quando chegamos a nossa casa. Cansados, mas bastante felizes pela incumbência a nós destinada. O Gael vai estar entre nós no máximo no despertar de setembro. Com ele as flores dos ipês já estarão presentes. Bem sei que elas têm vida curta. Despedem-se da árvore mãe ainda vivas. Ao revés do pequeno Gael que vai viver anos e anos junto a nós.

E ainda existem pais que não desejam filhos ao seu lado. Mas eu me indago: caso não tivéssemos filhos não teríamos netos. E nossa linhagem não teria seguimento. E quem cuidaria da gente assim que capengássemos? Quem nos puxaria a barba nevada assim que os fios brancos se apoderassem dela? Quem, com aquele sorrisinho um mil e um, faltando alguns dentinhos, faria diabruras aos nossos cuidados? E quem, durante os finais de semana, ou ao cair da tarde, seria entregue ao nosso zelo? E quem esperaria, debaixo da árvore de Natal, depois de uma noite linda, escondidos em caixas coloridas, aqueles regalos especialmente destinados aos nossos netos.

A vida sem o “estou chegando” não tem sentido. A mesma vida seria finita. Pois todos temos a finitude escrita nalgum dia. Que este dia se alongue ainda mais. Se possível durante toda a eternidade. Mas bem sei que tudo isso são quimeras. Como as ilusões são passageiras de um ônibus com destino incerto. Pois a única certeza que nos consome se escreve morte.

De agora a alguns poucos dias chega a nossa família mais uma pessoinha linda. Mas tarde, ano que vem, mais um netinho vai engrossar nossa legião de varõezinhos. A tão sonhada netinha um dia vai chegar. Que ela chegue logo. Para fazer companhia aos três pimpolhos com quem desejo passar horas felizes brincando na praça do jardim.

Ontem, minha esposa e eu, saímos a distribuir convites à festinha do “estou chegando” Gael. Dentro em mais um cadinho vai ser a outra festa do “ainda não sei o nome”.

Tomara esteja presente, como um presente dos céus, para outras festinhas como estas.

Como disse antes, de que cor seria a vida sem descendentes? Não seria azul, tinta com a amarelice do sol, e sim cinzenta como os dias turvos.  E a turbidez dos dias me incomoda tanto. Como me faz triste viver a vida sem alguém a me suceder.

Não sei quantos estou chegando ainda viverei para crer.

Por mim eles não deixariam de chegar nunca. Que venham mais netos. Se possível bis. Sonhar não custa nada. Bem como prever o futuro nos faz ficar ensimesmados. E pra quê?

Ainda penso que tenho muitos anos pela frente. Caso chegar aos cem? Que mal que tem?

Hoje estou sessenta e oito. Quase setentão.

Com a saúde e disposição que me assalta, neste momento lúdico, ainda me sinto capaz de voltar aos verdes anos, não só amparar meus netos, como vê-los encaminhados na estrada colorida de uma vida plena. De saúde, de felicidade, é o que importa.

Não sei quantos “estou chegando” ainda viverei pra ver. Se forem muitos, tomara sejam. Mas se forem poucos, da mesma maneira estarei feliz. Pois bem sei que a felicidade não se mede em dias. Ela existe em conta gotas. Instantes apenas.

Mas, no átimo que outro neto chegar, que o Gael chorar, ou sorrir, sorrirei junto a ele. Da mesma forma que outros chegarão. Enfeitando nosso lar com suas fraldas sujas. Com suas papinhas que eu mesmo darei. Com suas primeiras palavras ditas. Com seu aprendizado que espero ser seu professor. E, se por acaso algum tiver o dom da escrita, como estarei realizado. Não apenas em vida. Como depois da minha despedida.

Ontem foi um dia especial. Não apenas pra mim. Como para minha dedicada esposa.

Saímos a distribuir pequenos convites. Aos amigos mais chegados.

Era um pedacinho de papel onde estava escrito: “venham ao meu chá de fraldas.”

O Gael está chegando. De mansinho, clarinho como uma nuvem sem indícios de chuva. Tomara com saúde. Trazendo felicidade não apenas aos seus pais. Como a nós também.

 

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