O que os anos fazem com a gente…

De repente me vi menino. Lourinho, de cabelos encaracolados, em muito parecido ao meu primeiro neto, o Theo.

Que saudades dos velhos anos. Ainda em Boa Esperança, neto primeiro do velho casal – Rodartino Rodarte e vó Belica. Ainda trago ao meu lado uma velha fotografia, em preto e branco, quando meu avô me trazia no colo, vestindo um velho terninho azul marinho, que, segunda me consta, foi feito com o mesmo tecido da perna do terno que ele usava.

Por ser neto primeiro era paparicado por todos. Minha tia Cida, meu outro Tio Chico, ali se revezavam na guarda do que fui. Na ternura daqueles anos.

Infelizmente o tempo se arrastou, pachorrentamente. Eu cresci. De jovenzinho artioso passei a ser estudante compenetrado. De jovem estudante a doutor becado. E agora, anos mais tarde, consideram-me ancião. Embora aos sessenta e oito anos me sinta como dantes. Na mais tenra idade. Fazendo todas as travessuras que meu neto faz. Quando ao seu lado estou.

Noutro dia, parece que foi há três dias, se não me equivocam as lembranças, ao descer pela rua deparei-me com uma cena insólita.

Um jovenzinho simpático, moreno claro, puxava pela mão insegura um velho senhor. Com que desvelo e carinho ele cuidava de seu presumível avô. O ancião caminhava inseguro. Não fosse pelo amparo do netinho ele não sairia à rua. E ficasse em casa curtindo a maior idade. Até que alguém, que não sei onde se esconde, o chamasse para junto dele.

Assim que passei junto a eles interpelei o rapazola: “parabéns, jovem criança. Não são todos os meninos que têm o cuidado que você tem por este idoso. Seria ele seu avô?”

Ele fez que sim. Deixei-os na esquina onde por certo moravam. E continuei meu caminho até chegar onde estou.

Meu avô Rodarte nos deixou bem depois dos oitenta. Minha avó com mais idade ainda. Minha mãe partiu rumo ao céu aos oitenta e três. Meu saudoso pai aos pouco mais de setenta e sete. Os Abreus foram mais longevos. Um tio Abreu desapareceu quase aos cem.

Ainda me lembro de todos eles. E de mim mesmo quando de menor idade.

Antes assoprava em meus cabelos fartos um vento buliçoso. Hoje aqueles mesmos cabelos deixaram em seu lugar uma calva quase luzidia.

Quando jovenzinho vivia sonhando com um país mais fraterno e igual. Hoje estes sonhos não se fizeram reais.

Em criança só pensava em folguedos. Agora o desejo de brincar sempre cedeu lugar à responsabilidade de ganhar o pão de cada dia. Cada vez mais complicado de se conquistar.

Antes, quando jovem criança, não tinha tanto tempo para pensar no porvir. Agora este mesmo porvir cada vez mais se resume. Não tenho nem quero saber quantos anos mais me restam para viver.

Os sonhos de agora são outros. Os desejos mudaram.

Nos tempos quando jovem pensava sempre no meu bem estar. Agora o bem estar dos outros me capacita a viver em plenitude máxima. Sou feliz quando consigo atenuar a dor dos símiles. A minha não me preocupa tanto como dantes.

Quantas transformações a vida nos coloca frente a frente. Antes era só saúde. Agora vivemos clamando doenças.

Em jovens nada nos incomodava tanto. Agora um simples desencanto nos faz ir à cama.

Antes tínhamos sonhos a serem sonhados e convertidos em realidade. Já hoje a realidade nos mostra nua e crua que tudo passa. E nada fica além dos desenganos.

Uma vez criança as brincadeiras faziam parte de nossa doce infância. Hoje estas mesmas brincadeiras se transformaram em queixumes.

Ainda me lembro daquele senhor sendo amparado pelo neto. O jovem menino andava seguro. Conquanto seu avô claudicasse trôpego pela calçada.

Enquanto meu netinho corre a pernas desvairadas pelo jardim eu caminho preocupado com seu destino. Já que o meu, converteu-se em mais um desalento. Depois de todas as quedas que levei.

O que os anos fazem com a gente? São tantos os acidentes de percurso, que, se ficasse aqui, nomeando a todos, não sei a eternidade seria suficiente para nomeá-los um a um.

Nem precisa. Basta me olhar no espelho. Pra onde foram aqueles cabelos vastos? Aquela pele de pêssego? Agora são rugas e mais caminhos nesta face sulcada pela intempérie dos anos.

Ando pensando muito na velhice e na morte. Mas pra quê tanto? Se ela é o mais puro e cruel desencanto. A vida passa em seu sibilar constante.  Nós todos passaremos. A vida nos trata de forma cruel. Mas assim como estar velho faz parte dos anos, por não aceitar esses estragos que o viver trás? Vivendo a vida como ela é. Sem nos dobrarmos aos seus desencantos?

Hoje, ao acordar, me olhei no espelho. Sorri ao que vi. E passei a não me importar com as mudanças que os anos fazem a nós mesmos. O que vai ser de mim a não sei quantos anos? O fim é a única certeza que sobrevive em meu âmago. Sujeito a todos os tropeços dos anos.

Que eles sejam pelo menos afáveis. Como a ternura do garoto que levava o avô pela calçada, num dia atrás, nem lembro quando.

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