Previsões de Tião Vaticínio

Era uma madrugada fria quando o velho Tião saltou da cama.

Tomou um café requentado, enfiou goela adentro uma broa de milho azeda, passou na cara cansada uma ducha de água fria.

Naquela manhã na roça tudo aquilo fazia parte de sua rotina. Mas, caso a sua família o levasse pra cidade, onde tinha uma casa até que quase nova, seria por certo cavada a sua sepultura.

Tião amava as vacas e suas crias. Tinha um chamego enorme por sua égua charreteria, com quem diziam ter um caso. Embora apenas um velho cupim morto fosse a testemunha ocular do dito maldito.

Nas cercanias Tião tinha a fama justificada de ser um verdadeiro adivinhão. Daí o seu apelido de Tião Vaticínio.

Ele tinha o costume de olhar pro céu, investigar a cor das nuvens e prognosticar se iria chover. No caso de o céu se tornar cinzento caía água aos quatro ventos. Quase sempre ele acertava. Mas, quando se equivocava logo vinha com uma desculpinha esfarrapada: “viu! Não disse que iria chover? A chuva não caiu aqui. Mas podem olhar a televisão. Uma aguaceira danada despencou pros lado de São Sebastião”.

Era tempo de copa do mundo. Todos só pensavam no futebol. Mas para o velho e tinhoso Sebastião não importava toda aquela parafernália montada num país do qual nem ouviu falar. O mais longe que havia ido era Aparecida do Norte, mesmo assim em romaria.  O que para ele contava era o preço do leite. Quando a vaca Braúna daria cio. Quando as águas de marco entronizavam o verão. Quando sua querida égua estaria prenha de novo.

De tanto trabalho pesado Tião quase não tinha tempo para assistir a televisão. E ele tinha uma. Daquelas antigas, valvulada. E ainda se gabava: “a melhor televisão do mundo é aquela estragada”. Onde uma aranha fez sua teia. Dali nasceram várias aranhinhas. Até um sapo gordo se aboletou por lá. E só saiu depois de tempos perdidos, com a família aumentada de girinos que logo cairiam no brejo. A velha TV, de tão antiga, quando foi ligá-la saiu um fogaréu enorme. E nunca mais teve vida.  “Graças a Deus”. Dizia.

O time brasileiro iria jogar naquela sexta-feira, seis de julho. Era um jogo vital para continuar na peleja.

A vizinhança, toda alvoroçada, se preparava para assistir ao desenlace de nossa seleção. Se continuava ou voltava pra casa. Palpites sobre os resultados iam e vinham. Quatro a um, zero a dois, três a cinco, e outros mais.

Na casa do velho Tião não seria possível assistir a partida. Até que um vizinho de cerca, assaz imaginoso, decidiu, em conformidade com outros amigos de pasto, instalar um telão enorme nos fundos da casinha do Tião Vaticínio.

A festança prometia ser boa. Além da conta.

O jogo iria começar na parte da tarde. Justamente quando as vacas seriam ordenhadas.

Foi então que a ordenha foi antecipada. Quebrou o leite. Quase quebraram os produtores.

Uma vez a turma reunida, cervejinhas geladas preparadas num tambor cheio de gelo moído, churrasco de um boi falecido de véspera, mandioquinhas fritas na hora, bandeirolas verde amarelas atadas num varal de arame farpado, tudo indicava que a festa seria a coroação de uma vitória há muito tempo esperada.

Foi aí que alguém perguntou o palpite do velho Tião. Que não estava nem aí para a competição.

“Querem saber o que penso? Ah!, pra mim tanto faz. Como tanto fez. O que me importa é quando a safra de milho vai pendoar. Quando a vaca dá cio. Quando a chuva despenca. Quando a minha querida égua vai parir. E o preço do leite? Quando vai aumentar? E quando a gente da roça, tão esquecida pelo resto do mundo, vai ter undécimo do um milésimo do valor de quanto ganha um destes jogadores de futebol? Quanto ao resultado do jogo não estou nem aí. Tanto faz, tanto fez”.

Até agora não sei quanto foi o jogo da seleção canarinho. Se perdeu ou ganhou, pra mim também tanto faz, como tanto desfez. O que conta é o destino daquela boa gente brasileira, que não joga futebol, mas faz da enxada o seu bastião, sente o suor que escorre pelos seus rostos cansados, e ganha o seu pão honestamente pelos quatro cantos da nação.

As previsões do Tião Vaticínio são as mesmas das minhas. Não sei o conceito de vocês.

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