Consegui, afinal, voltar à inconsequência daqueles anos dourados

Hoje o sol acordou sorridente. A névoa densa de ontem parece que se despediu para voltar noutro dia.

Eis-me aqui, novamente. Acordo cedo. Passo nos olhos a água fria do lavatório. Que me faz despertar de novo.

Antes de dez minutos, da minha casa à oficina de trabalho, já estou a escrever de novo. Fecho a porta do consultório para evitar que a inspiração fuja por ela. Mas por vezes ela escapa pela fresta da janela entreaberta. A mesma que me permite passar os olhos naquele velho colégio que me acolheu tão generosamente durante os verdes anos que ali passei.

Não nasci na idade que agora me recebe. Era um menino de cabelos cacheados, puxados para lourinho, exatamente como meu neto primeiro agora se mostra.

Como os anos nos tratam mal. Caso pudesse desceria pela escada da vida ao revés. Viria ao mundo já idoso. Pouco a pouco voltaria no tempo. De velho decrépito me tornaria um adulto produtivo. Daí a ser menino de novo seria um pulo de gato esperto. Até acabar meus dias sendo um bebezinho de novo.

Ao olhar na direção daquele colégio, fronteiriço a uma praça central, quantas lembranças ternas voltaram à baila. Minha primeira professora, a querida Dona Beliza, a segunda que ainda vive, não a tenho visto nos derradeiros dias, dona Vandinha, e tantas outras que me escapam deste texto. Senão ele se alongaria demais.

E como foram bons aqueles verdes anos. Era um aluno comportado. Embora com seus momentos próprios da inconsequência da juventude. Nem de longe me dava conta do que sou hoje. Só mais tarde a responsabilidade me tomou de assalto.

Naqueles idos anos, assim que as aulas terminavam, lá ia eu a assentar naqueles bancos da praça, a comentar com os colegas a belezura das coleguinhas que hoje são avós. Muitas delas já partiram. Rumo a um lugar que imagino seja o céu.

Infelizmente cresci. Não tanto. Mas o suficiente para não deixar que o esquecimento daqueles verdes anos fosse olvidado onde comecei.

Agora sou avô. Durmo ao lado de uma avó adorável. No final da manhã passo pela mesma praça de dantes. Agora com outra missão. Não a de comentar sobre as pernas das meninas moças. E sim de passar os olhos cheios de carinho na carinha do meu neto. Antes que ele vá a sua casa, pois é hora do almoço.

Como os tempos mudam! Como a vida se metamorfoseia.

De repente não temos mais trintanos. De repente nos tornamos anciãos. Não mais que num repente morremos.

Antes que isso aconteça, como a morte nos tem rondado, tomei a mim uma decisão impensadamente. Que tal me tornar criança de novo? Que tal viver a vida como dantes? Como se fosse possível e ponderável.

Foi ontem o acontecido. Depois de malhar nos ferros na academia costumeira, de correr como uma seriema desengonçada na esteira, de jogar conversa fora com os amigos do LTC, fui piscinar na piscina.

Ali nadavam, ou melhor folgavam, os atletas mirins da natação. Já conhecia alguns pelo primeiro nome.

Depois de uma ducha morna, para tirar o suor do corpo velho, eis que me atiro nas águas tépidas da piscina. Ali estavam vários meninos. Alguns com idade para serem meus netos.

Os jovenzinhos arrulhavam como se fosse uma algaravia de pardais.

Atento escutava suas conversas. Suas conquistas, como iam de escola. De repente imiscuí-me entre eles. Aquele contato jovem teve a capacidade de rejuvenescer-me.

Depois, já no vestuário, a seguir de outro banho mais cálido, do outro lado pude ouvir alguns comentários sobre a minha pessoa.

“Sabe João. Aquele velhinho falante é um doutor da medicina. Já o conhecia de tempos passados. Ele, além de falar várias línguas é um escritor mundialmente conhecido em nossa cidade”.

Deixei o clube pensando nas consequências daqueles comentários alvissareiros.

Quando me misturo aos jovens sinto-me como eles. E como é saudável voltar à inconsequência daqueles anos dourados…

 

 

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