Ma e Mo

De repente ouve-se um rebuliço na antessala do meu consultório.

Antes ambos ligaram para marcar uma consulta de última hora. Regatearam no preço. Disseram-se em começo de vida a dois. Que moravam de aluguel. E que precisavam urgentemente de uma consulta na minha especialidade. Era uma sexta-feira, bem no começo de junho.

Minha diligente parceira, a que atende os consultantes, sem me consultar abaixou em cinquenta reais o preço do atendimento.

“Trata-se de coisa simples”. Diziam eles pelo telefone.

Antevendo a ficha da consulta, aqui mesmo neste computador onde escrevo, ao escorrer os olhos em quem eram os pacientes, nos seus dados descritos percebi, com certa incredulidade, que se tratava de um casal. Recém-casados, de papel passado.

Minha fiel secretária não escondia o sorriso ao permitir que ambos adentrassem a minha sala. Eram dois. Homens?, (tudo tinham para ser), segundo suas certidões de nascimento. Mas, para meu entendimento precário em espécie humana, aquela dupla, jamais, pelas vias normais, poderia ser considerada um casal.

Um deles era o consultante. O outro, que mirava o parceiro com olhares embevecidos de carinho, soltando chispas de amor, não sei se era o homem ou a mulher. Ambos eram bem homens. No meu entender.

Um deles, o paciente, tinha um salão de enfeitar cabelos como atividade maior. O segundo estudava biologia, numa faculdade de nossa cidade.

Conforme suas fichas diziam Ma e Mo haviam se casado em tempos recentes.

Amavam-se ao exagero. Dedicados parceiros desde anos antigos. Conheceram-se numa praça do centro. Que daqui se permite ver pelos fundos.

Ma, o consultante, o cabeça do casal, queixava-se de um probleminha minúsculo em seu órgão genital. Que nada tinha de minúsculo. Ao revés. Era um pênis gigante. Segundo meu douto entender.

Levei-o a sala de exame para fazer o diagnóstico. Era uma fimose verdadeira. Como verdadeiro era o amor que sentia pelo Mo. O qual esperava na minha sala ávido por saber qual a solução do problema do querido parceiro.

Alegres, extrovertidos, ficaram a minha frente falando pelas sobrancelhas. Bem cuidadas, ao esmero.

Depois de afiançar-lhes que o problema do Ma era simplesinho de resolver, bastava uma singela operação, que seria marcada para breve, notei a dedicação que tanto Ma quanto Mo sentiam um pelo outro.

Eles viviam por um grande amor. Era um verdadeiro casal. Muito mais afinado que muitos de sexos conflitantes. Que deixaram a harmonia de lado, desde que o consórcio matrimonial foi engolido pelos anos.

Ma e Mo deixaram meu consultório felizes por me conhecerem. E eu, da minha parte, confesso ter sido  um prazer ainda maior.

Às suas ausências fiquei pensando.

Ma e Mo vivem numa felicidade que salta aos olhos. Um cuida do outro. O outro cuida do um.

E, muitos de nós, preconceituosos, que enxergam casais do mesmo sexo vivendo lado a lado com olhos anuviados, como se fossem aberrações, nem de longe imaginam que para sermos felizes basta tão pouco. Uma pitadinha de respeito. De carinho. E outros sentimentos bem vistos tanto em Ma quanto em Mo.

Eles deixaram minha oficina de trabalho depois de alguns minutos apenas. Mas foi o bastante para saber que amar não enxerga outra coisa senão o amor.

Ma e Mo são o exemplo inequívoco de que, para viver juntos e felizes, não sei se para sempre, não carece que sejamos de sexos opostos. Certo que homem e mulher se completam. Nem sempre, como no caso de Ma e Mo.

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