A carroça do Seu Mané

Desde quando o desde nasceu, ainda sem data definida, Manezinho adorava andar de carroça na roça do avô.

A princípio assentado comodamente no assento. Uma tábua velha, ameaçando soçobrar ao vento.

Ao ganhar idade, vendo fugir a mocidade, a velha carroça, de pneus trocados, mas o mesmo casco carunchado, o jovem Manoelzinho se permitia dirigir o negócio. Uma mula branca era forte o bastante para levar morro acima cinco latões de leite. Mas quando chovia a cântaros dava pena ver o pobre asno ululante uivar de dor sob o peso enorme da carga. Mas o condutor ia adiante. Estalando um chicote no traseiro da mula estradeira.

De neto pequeno passou a ser fazendeiro de médio porte. Como a produção de leite não dava para levar a propriedade com lucros, o dono resolveu, em comum acordo com o empregado, plantar verduras para levar ao mercado.

Por volta da volta do meio dia lá ia a mesma carroça morro acima. Levando outro tipo de carregamento. Cestas de quiabo, de cenouras ainda sujas de barro, de mandiocas que o dono jurava ser de fácil cozimento, de verduras de folhas verdes como as asas das maritacas, e outros tipos de legumes. Que eram vendidos na feira livre, ou deixadas no mercadinho de posse de um dono amigo.

Mas, como o futuro é incerto, Mané, desiludido com a vida na roça, achou melhor se mudar pra cidade.

Fechou as porteiras. Olhou pra trás com olhos inundados  de saudade.

A mula branca relinchou. A velha carroça ficou guardada numa garage improvisada. As lembranças daquela vida passada ficaram relegadas ao olvido.

Uma vez na cidade Manoel se viu empregado num banco movimentado. Era um emprego de futuro. Graças ao seu tino comercial logo foi alçado a gerente.

Tudo ia bem na vida do Manoel. Aquele Seu Mané, sonoro como o canto do sabiá, foi esquecido num velho baú de lembranças.

O gerente do banco, para ir e voltar do trabalho, acabou comprando um carro do ano.

Era um carrão bebedor de gasolina. A cada cinco quilômetros pedia mais.

A vida corria leve para o Manoel. Constituiu família. Teve três filhos. Ele e a mulher, bem dito. Viviam com folga numa bela casa. Num bairro elegante.

Eis que passam os anos. E nem se lembrava da vida pregressa. Tanto a carroça alquebrada, com pneus novos, quanto a mula branca, ficaram no ostracismo.

Até aquele inesquecível dia. Que parece haver terminado. Seria?

No país onde vivemos foi decretada uma greve dos caminhoneiros. Manifestações ruidosas agitavam o país de norte a sul.

As reinvindicações, se bem que justas, penalizavam mais quem precisava trabalhar em sua rotina diária.

O paro fez um buraco profundo no orçamento nacional. Ainda hoje se contabilizam os prejuízos.

Durante a greve, que até hoje repercute por toda parte, foi um tal de andar a pé, deixando o carro na garage. Quem não tinha o costume de usar as pernas estranhou a falta de combustível. Mas como foi bom ver as ruas vazias. E os passeios lotados de gente andeja.

Mas a vida do Manoel gerente não podia parar. Como ir andando de casa ao trabalho, se a distância era longa? E ele com aquele terno engomado…

Numa sexta-feira, o final de semana se anunciava, a família cansada resolveu passar o final de semana na velha morada. A casa bancária deu férias coletivas. Até o final do impasse entre o desgoverno e os caminhoneiros.

Usaram a jardineira para chegar à roça. Encontraram tudo como era antes.

A velha carroça coberta por uma lona escura. A mula branca gorda como sempre. Pastejando a deriva.

Ao ver aquele cenário que tanto amava, antes de ir à cidade, Seu Mané, agora mudando até o nome, para contornar a situação aflitiva que o esperava de volta ao trabalho teve uma ideia de gênio.

Mandou selar a mula branca. Atrelou-a à carroça antiga. E foram todos de volta a nova vida.

Foi uma estranheza geral. Ao verem um cidadão montado numa charrete caindo aos pedaços. Puxada por uma mula relinchante. Todos boquiabertos ensejaram sorrisos.

Mas, como a paralização não tinha data para terminar, acabou virando moda usar carroça para transitar na cidade.

Pena que os asnos que nos dirigem não se acostumaram a puxar carroças. Talvez pelas viseiras ou tapa-olhos que lhes servem de antolhos. E o preço gasolina dispara como uma mula assustada.

Até hoje, ao ver o trotar da carroça  do Seu Mané e da sua mula branca, desfilando na avenida, lembro-me da minha infância perdida.  E que anos bons eram aqueles. Sem os perrengues de agora.

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