Aos netos o meu legado

Meus filhos me deram netos. Meus pais ofertaram-me a vida.

Ainda me lembro dos meus avós. Tanto por parte de pai quanto de minha mãe.

Eles não moram mais aqui. Moram no mesmo espaço onde todos iremos morar. No alto, junto à azulice do céu, em companhia de seres alados, pertinho de Nosso Senhor.

Dois filhos apenas vieram alegrar minha família. Um casal, um menino e uma menina que agora são adultos. Independentes de nós. Não pelos laços do amor. Do carinho, da saudade quando eles viajam. Quando se ausentam por muito tempo de nosso abraço, deixando uma lacuna enorme onde antes eram os seus espaços. Jamais preenchidos.

Quando vejo seus quartos vazios lembro-me a cada dia quando ainda eram pequenos. Pena que os filhos crescem. E viram papais. Dando-nos a coisa mais gostosa do mundo. Chamados netos.

Hoje tenho apenas um. É uma criança linda. Não me canso de comparar-me a ele quando era do mesmo tamainho. Theo de fato é uma criança adorável. Artiosa, compenetrado quando lhe chamam a atenção.

Não me canso, quando a vida permite, tentar acompanhá-lo, bem de pertinho, nas suas traquinagens. Não vejo a hora quando outro neto vir ao mundo. Seu nome será Gael.

Não sei quantos netos a vida me dará de presente. Como também se por aqui estarei presente no momento quando eles se transformarem de crianças em adultos. Nem sequer imagino se verei meu primeiro neto formado. Se ele vai ser doutor como o pai e o avô. Não importa. O que conta é que o pequeno Theo vai ser feliz como eu me sinto ao seu lado. Como vou me sentir ao lado do Gael.

Hoje estou sessenta e oito anos de idade. Logo logo vencerei a barreira dos setenta. O pequeno Theo completa dois aninhos de hoje a dois meses. Já o Gael vai nascer em três meses. Fazendo as contas estarei mais velho quando ele nascer.

Ontem, de noite, pensei o que deixar aos meus netos. Não no que diz respeito a bens materiais. E como eles se lembrarão de mim?

Como um velho brincalhão? Como um médico que ainda sou? Ou como um escritor que tento ser?

Não sei quanto tempo mais me resta de vida. Serão mais de dez? Talvez vinte? Não imagino. E nem desejo saber.

Mas, quando eu morrer, quando isso tiver de acontecer, desejo que meus netos se lembrem de mim como estou agora. Não alquebrado a uma cama. Decrépito, mal se lembrando de quem fui. Ou o que fiz durante minha caminhada neste planeta lindo. Do qual irei me despedir com saudades. Principalmente deles. Tanto do Theo, quando do Gael, e de quantos netos a vida me presentear.

Desejo deixar aos meus netos toda a alegria que desfruto quando passo minutos, horas ao lado deles. Hoje apenas o Theo me acompanha.

Que minha casa se torne uma creche. Um lugar recheado de risos incontidos. Tomara muitas crianças me acompanhem a roça que tanto amo. E seus pais, meus filhos, não se preocupem, pois sei ainda cuidar de meninos, como me apraz cuidar de velhos.  Que passam pelo meu consultório queixando-se de enfermidades muitas.

Pretendo deixar aos meus netos uma estante recheada de livros meus. Que eles cultivem o hábito de uma boa leitura. Que não meçam esforços para conquistar não apenas o mundo. Tomara o mundo que os vai receber seja melhor que o meu.

Aos meus netos, como legado, não deixarei apenas casas, apartamentos, uma gorda conta bancária, pois tudo isso passa. Como para mim perdeu a importância. Desde quando passei a encarar a vida com outros olhos. Não importa. Pois o pouco que tenho agora já pertence a eles.

Pretendo deixar aos meus netos não apenas saudade. Tomara eles se lembrem de mim com bons olhos. Não aquele velho ranzinza que os deixou de castigo quando eles mereceram.

Aos netos que meus filhos me deram o mesmo carinho que meus pais me deixaram. A mesma saudade que o tempo não conseguiu apagar.

Hoje, quando vejo o brilho nos olhos do Theo, como verei no Gael, e nos outros netinhos que virão, neles me rejuvenesço. Esqueço-me das contrariedades. Dos amargores da vida. Até que estou ficando velho. Embora não me sinta assim.

Aos netos que não conhecerei, da mesma maneira saibam que vou amá-los indistintamente. Como amo aos que junto a mim estão. Certo que eu passarei. Eles irão passar. Mas a nossa história vai se perpetuar sine die.

Meu legado, de papel passado, aos meus netos, deixarei o melhor de mim. Que eles entendam o testemunho do avô. Nestas linhas poucas escritas para eles. Que bem retratam um cadinho do que fui. E ainda sou.

 

 

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