Sem tempo para pensar em mim

A correria do dia após dia havia feito estragos naquele homem rústico, de mãos caludas, tez tostada pelo sol, que vivia pelo trabalho, e por certo iria morrer na mesma rotina.

Acordava ao despertar da aurora. Tomava o ônibus depois de um café requentado. Alimentava-se mal. Aos quase cinquenta anos parecia ter quase o dobro de sua idade.

Antônio era um metalúrgico exemplo de gente que sabe como poucos manejar um torno. Dedicado ao serviço. Nunca dele se ouviu um queixume sobre cansaço. De pouca conversa. Operário padrão, sempre listado no quadro de honra daquela fábrica onde trabalhavam mais de mil empregados.

Por falta de tempo e oportunidades Antônio nunca teve tempo de constituir família. Apesar de ter pelas crianças um chamego enorme.

Ele não nascera naquela cidade grande. Oriundo do Nordeste, de uma pequena cidade do Ceará.

Por falta de trabalho em seu rincão acabou indo pra São Paulo. A viagem durou mais de dois dias. Dos quais se lembra sem saudades.

Antônio bem se recorda da chegada à rodoviária do Tietê. Foi levado de roldão pela massa enorme de viajantes. Caiu ao chão, a sua mala foi roubada, seus pertences levados. Ainda bem que sua carteira foi poupada.

Todas as suas economias foram suficientes para passar uma semana inteira. Em busca de ocupação, percorrendo os classificados dos jornais, Antônio passou fome, frio, morou debaixo de uma marquise por onde escorria água nos tempos de chuva.

Dois meses inteiros se passaram naquela situação aflitiva. Mas o estoico nordestino não desanimou. Persistiu na busca. Até encontrar o primeiro emprego. Que pouco durou.

Num belo dia a sorte lhe mostrou os dentes sorridentes. Foi admitido nesta mesma fábrica. Onde se encontra até hoje.

Vinte anos são passados. Antônio viu a idade chegar. Sempre pensando no trabalho. Nele mesmo não tinha tempo de pensar.

Por sorte a saúde não o abandonou. Até então. Vivia solitário numa casinha da periferia. Pelos vizinhos era considerado pessoa de pouca conversa. Mas que nunca se furtou a ajudar a quem precisasse.

Antônio, nas horas de folga, gostava de passear em um parque do centro da cidade. Ia sempre só. Já que não tinha ninguém com quem partilhar a solidão.

Aos mais de cinquenta anos continuava na mesma rotina. De casa para o trabalho. Dali para merecido descanso.

O tempo corria lento para o solitário Antônio.

Quando beirava os sessenta deu de si que era feliz a sua maneira. Seria? Acostumou-se de tal forma a solidão que não lhe faltava uma companhia que fosse. Dormia antes das dez. Acordava sempre a mesma hora de sempre.

Mas, como nem tudo caminha como a gente prevê, um dia Antônio amanheceu diferente. Ainda longe de se aposentar caiu enfermo. Um dor no peito fez-lhe ver que não era imune às doenças. Teve de procurar um hospital. Sem plano de saúde esperou mais de três horas para ser atendido. Ficou internado por uma semana inteira. Sem diagnóstico. Não pode fazer os exames necessários. De lá saiu ainda pior de quando entrou.

A dor não o deixava dormir. Ausentou-se do trabalho por causas justificadas. Mas o patrão, o mesmo que o elogiava sempre, acabou demitindo-o por injusta causa.

Antônio acabou no desemprego. Mais um neste país onde a massa dos sem trabalho aumenta mais e mais.

Naqueles tempos ruins contava com sessenta e cinco anos de vida. No entanto parecia muito mais .

Em casa, entregue a solidão, um dia encontrei Antônio recostado ao leito. Sem nenhuma alma boa a cuidar de sua pessoa.

Magro, com a barba por fazer, olheiras profundas sulcavam-lhe a face.

Antônio não era nem sombra do que foi um dia.

Fiz o que pude para ajudá-lo. Ofereci-lhe minha mão amiga. Mas foi pouco o que pude fazer.

O que restou do velho homem deu-me pena. Parecia que iria morrer em breve.

Pelo jornal da semana entrante, na parte do obituário, soube da morte do pobre Antônio. Ele passou ao outro lado desassistido por tudo e por todos. Solitário, abandonado pelos amigos, que quase não possuía.

Um dia, naquele quando o visitei, e o encontrei infeliz, entregue aos fantasmas do seu passado, dele ouvi esta frase, que me fez pensar na vida: “ando sem tempo de pensar em mim”.

Deixei o pobre Antônio pensando em mudar de vida. Caso contrário não sei o que a mesma vida vai fazer comigo.

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