Saudades o levaram

Na minha vida de médico jamais vi saudade como causa de morte.

E olha que longos anos se arrastam.

Saudade pode ser causa de depressão. Que pode ensejar doenças várias.

Da mesma forma que câncer pode advir de angústia. Ninguém ainda descobriu qual a causa exata de tal enfermidade.

E como eu sinto saudade de tantas e tantas coisas. Do meu passado. Daquela rua por onde passo todas as tardes. Da casa dos meus pais. Onde cresci. Não nasci. Mas ali fui criado por anos contados a partir da data de hoje, dezessete de abril, data que me vem à memória dada a uma perda importante. Dentre as tantas que conto nos dedos.

Ainda me lembro do seu pai. Um senhor ao qual sempre tive em alta estima. O cidadão Rui Rodarte.

E como ele apreciava pescar. De caniço e samburá lá ia ele a ponte do funil. Não me recordo muito bem se o acompanhava nas pescarias. Era ainda menino. Naqueles idos anos que a lembrança me traz.

Meu primo, seu filho mais longevo, era além de aparentado, meu amigo. Profissional da odontologia. Tranquilo ele se parecia. Mas deveria ter seus momentos de intranquilidade.

Quantas vezes em seu consultório aparecia. Minha mãe Rute era também sua cliente. Minha irmã Rosinha da mesma forma o amava. Pela forma cordial e afável com que ele a tratava.

Pedro não era exemplo de boa forma. Era obeso. Quase mórbido. Bastante descuidado com a saúde por vezes aqui aparecia. Ainda me lembro, com que alívio, quando o livrei de um cálculo renal encravado em sua uretra inicial.

Tia Dora se foi acredito há pouco mais de um mês. Se mais, não me lembro bem.

Ela sim. Merecia descansar de sua enfermidade que se arrastou por longos anos. Graças ao desvelo de sua família. Que também é a minha. Todos assinamos Rodarte.

Pedro contava com cinco anos menos que os meus. Ele era da idade de meu irmão Fred. Que hoje cedo me telefonou angustiado se teria tempo de voltar a nossa cidade para acompanhar o sepultamento do nosso primo Pedro.

Daqui de cima do meu consultório consigo ver o pequeno prédio onde meu primo querido tinha seu ofício. Mas ele não mais está lá. Bem sei como ele amava sua profissão. E como seus clientes dele diziam coisas boas. Em verdade não mentiam. Pedro de fato era a bondade personificada em sua pessoa.

Hoje é dia de sauna no clube pra aonde sempre vou. Ao cair da tarde. Pedro não estará por lá.

Sua primeira netinha, a pequena Laura, com certeza ainda não entende ou sente falta do avô.

Foi ontem que ele partiu. De repente. Não mais que num repente.

Segundo me disseram já estava em casa. Sentiu-se mal. Falando ao telefone foi ao chão. De volta do consultório tudo aconteceu.

A visita a sua mãe não se deu. Tia Dora não mora mais naquela casa da Rua Costa Pereira. Agora ela vive no céu. Onde com certeza Pedro vai chegar. Se não já chegou.

Como Pablo, Natália, sua atual amada, devem estar sofrendo com a perda do primo Pedro. Maristela da mesma forma sofre a sua maneira.

Luiz Carlos, que herdou do pai e do avô o tabelionato, deve estar sofrendo a mesma dor. Com a mesma intensidade.

A pequena Laurinha ainda não entende a perda tão importante para toda a nossa cidade.

A odontologia lavrense veste luto. O mesmo luto que recobre minha alma.

Muitos me perguntam a causa mortis do primo Pedro. Afianço-lhes que não sei bem ao certo.

Bem sei que ele quase não cuidava da sua saúde. Era obeso, descuidado.

Mas, pensando melhor, qual seria a razão do passamento do primo Pedro, já que sua mãe, a querida tia Dorinha se foi de pouco, por que não imputar a ela a tal saudade?

Ela não suportou a morte do filho querido. E veio lhe buscar. Movida a saudade.

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