Hoje pensei ter visto o sorriso das flores

Como tem sido difícil sorrir nos dias de agora.

Em face da crise que nos abocanha. Em razão da violência tamanha. De outros fatores que por aí gracejam da gente. Quase tudo no entorno enseja tristeza.

O calor da mesma maneira me faz pensar em dias mais frescos. De tanto andar pelas próprias pernas o suor empapa-me o corpo. Chego a casa e tenho de mudar de roupa. O verão tem seus dias contados. Tomara ele desapareça logo. Estamos em começo de outono. Linda estação. Logo a seguir entra em cena o inverno. Tomara não seja o inverno da minha despedida.

Fazendo um parêntesis no meu texto de hoje comento sobre o envelhecer. É preciso saber como proceder. Tudo faço para não perder a mocidade. Uso fone de ouvido para ouvir a musicalidade da vida. Minhas roupas são leves e folgadas. De cores variadas. Procuro me aproximar dos jovens. Não que tenha pelos de minha idade certa repulsa. Quem sou eu, aos sessenta e oito anos, para dizer que outros velhos são menos jovens que eu fui. À sua sabedoria me curvo. As suas cãs venero. Aos seus andares trôpegos um dia irei chegar.

O sol tenta abocanhar a terra com sua língua ferina. O calor sufoca. Pobre de quem tem de usar terno e gravata. Ainda bem que minha profissão não exige tamanho sacrifício.

Da maneira que ando, que corro, sob o apupo do sol seria impossível acontecer. Por estas razões saio de casa bem cedo. As ruas ainda estão semivazias. Um ou outro caminha rumo ao trabalho. Antes das oito permito-me o desfrute de retratar o cotidiano tão lindo. Basta para isso abrir os olhos. Faz-me bem enxergar com clarividência usando meu terceiro olho de cronista do cotidiano.

Ontem choveu um bom bocado. Relâmpagos, trovões, riscavam o ar na parte da tarde noite. Durante a madrugada ouvi o barulho da chuva macia na janela do meu quarto. Lá fora o asfalto molhado mostrava-me o lado bom da chuva. O gramado ficou mais verde ainda. Penso ter visto a velha seringueira abrindo os braços verdes em agradecimento as águas que desciam do alto.

Era antes das seis e meia quando deixei a casa onde moro. Até uma praça vizinha era um pulo curto.

Por precaução usei um guarda-chuva. Agora ele repousa inútil encostado à parede.

Ao chegar a pracinha, agora remodelada pela prefeitura, antes era uma enjeitadazinha mal amada, parei um par de minutos para admirá-la.

Todos os canteiros estavam em perfeito estado. Lindos e molhados. Não há como passar por eles sem cortejar a beleza das flores. A grama bem aparada, quase isenta de pragas, era de um verdume ímpar. Pedrinhas amarelas desbotadas ajudavam no paisagismo. As árvores de maior porte compunham aquele cenário lindo.

Antes de deixar a pracinha, a caminho de onde estou, percebi, creio não ter sido ilusão de olhar, uma florzinha amarelinha sorrir em minha direção.

Retribui ao sorriso da flor com outro sorriso. Foi ida e volta a nossa conversa. Curta, amistosa e breve.

A florzinha assim me disse: “o senhor assistiu aos pingos da chuva de ontem a noite? Foi um carinho quando eles caíram-me sobre as pétalas carentes de água. Agora estou assim. Feliz da vida. Por isso sorrio. Não sei até quando”.

Respondi, meio desconfiado da fala da flor, ao mesmo tempo admirado, com esta reposta saída das minhas convicções de não estar ficando insano: “que bom que você, minha cara flor, está feliz com a chuva de ontem de noite. Tomara ela continue alguns dias. E você fique ainda mais bonita”.  Quase não resisti a apertar-lhe as pétalas macias. Caso fizesse assim poderia macular a beleza da flor.

Tinha de ir embora. Meu relógio mostrava quinze para as sete da manhã. Passei exatos dez minutos confabulando com a florzinha amarela.

Durante a nossa despedida, como se fossemos velhos amigos, todas as flores do pequeno jardim sorriram pra mim. E eu, agradecido, passei a sorrir da mesma maneira, feliz da vida depois da conversa com as flores.

Deixe uma resposta