“Mãe! É pra lá que a gente vai”?

O céu estava azul de doer os olhos naquela manhã bem cedo. Não se via nenhuminha nuvem no alto. Era mês de março em seu começo. As chuvas pareciam ter se despedido para sempre. As goiabas maduras, deitadas ao chão, de tão amarelas eram um convite aos bichos. Que dentro delas se fartavam ao deleite.

E Joãozinho, garoto curioso, sempre inquiridor, queria saber tudo tendo a mãe como professora. Embora a pobre senhora, sem muita instrução, mal sabia responder a metade das perguntas a ela desferidas. E tentava, sem muita convicção, corresponder ao papel de mãe. O pai do menino vivia pelo trabalho e não lhe dava atenção.

As chuvas foram copiosas naquela estação. Encheram açudes. Fizeram transbordar riachos. Provocaram enchentes felizmente sem vítimas fatais. Mas foram embora. Com a solene promessa de voltarem depois.

A plantação de milho foi um sucesso. Espigas graúdas encheram até a boca os silos enormes. O leite aumentou um bom bocado. Embora o preço não tenha sido o esperado, mas dava para equilibrar o orçamento de quem vive na roça. Principalmente quem tem os pés no chão e vive apagando a luz, economizando até onde pode.

A família do pequeno João vivia ali. Naquele sitiozinho afastado de tudo. Desde a morte do avô, com ela a avozinha se foi, só restaram os três. E eles eram felizes as suas maneiras. Já que a pobreza e a humildade não são considerados defeitos. Na minha não erudita concepção.

Joãozinho estudava numa escolinha rural pertinho da porteira principal da propriedade. E com que alegria caminhava menos de um quilometro até lá. Em dias de chuva chegava em menos de meia hora. Já com a roupa molhada a sensação gostosa de pisar o barro grudento, de sentir na carinha risonha o sabor de pele molhada.

Era aluno acima da média. Eram apenas vinte deles assistindo as lições.

Durante a noite o menino, depois dos deveres do dia, ficava a olhar as estrelas até elas se apagarem.

Acordava ao cantar do galo. Na roça se acorda cedo. Antes do raiar da aurora as tarefas se amontoam do lado de fora do casa.

São vacas a serem ordenhadas e alimentadas. A pastaria deve ser roçada para não ser tomada pelas pragas. A porcada grunhe de fome. É preciso dar comida a eles. Para engordarem até o fim de ano.

Joãozinho fazia de tudo para ajudar ao pai. Era uma família unida inclusive nas adversidades.

Tempos se passaram. Joãozinho, curioso como sempre, não havia dúvidas que ele não queria saber o por que.

“Mãe. Por que a chuva cai? Por que as pessoas morrem? Por que a gente não vive para sempre”?

A mãe zelosa muitas vezes não sabia responder a tantas questões. E pedia que o menino perguntasse a professora. Que por vezes não dava conta de tirar a curiosidade do aluno perguntão.

Um dia a querida professora não apareceu naquela semana. Na seguinte da mesma forma ela se ausentou. E como ela era querida pela classe! Era a preferida por todos os alunos. Se bem que já idosa a mestra ainda tinha muito carinho pela turminha prosa.

Um mês depois chegou a notícia não muito grata. Dona Mariana dormiu e não mais acordou. Morrera como um passarinho. Sem dar um pio de dor ou dissabor.

Foi uma tristeza geral naquela escolinha rural. Ela fechou as portas por um mês inteiro. Joãozinho e os colegas, tristes e acabrunhados, se despediram da professora em oração.

Dois meses se passaram desde então.

Novamente a escolinha abriu as portas. Mas a alegria jamais retornou para aquela turminha de gente miúda.

Naquela manhã rica em sol, o céu estava azul, assim que Joãozinho se preparava para ir a escola, triste pela perda irreparável, ao olhar o azul do alto, que fazia doer-lhe os olhos, eis que mais uma pergunta deixou a boquinha irrequieta do menino.

“Mãe? É pra lá que a gente vai quando a morte vem nos buscar”?

E continuou: “Será que a nossa professora, tão querida passou a morar no céu”?

A mãe, com um sorriso de quem entendia do assunto, ao filho respondeu: “com certeza. Ela e tanta gente boa vive lá”.

Mas, não conformado com a perda da querida mestra, Joãozinho, insatisfeito, veio com mais esta: “mãe. Se é assim, por favor, quando eu morrer, não me leve para tão longe. Prefiro ficar aqui mesmo. Pertinho de onde a senhora e meu pai estão”.

Não sei se foi feita a sua vontade. Nem a nossa coloco em questão.

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