O menino que contava estrelas

Aquele dia de verão amanheceu com o calor de sempre. Chovera a noite passada. O chão molhado, a relva ainda coberta de salpicos cristalinos, o céu escuro, eram indícios insofismáveis que iria chover ao cair da noite.

Zezinho passou a noite em claro. Ele sofria de insônia. Era um menino diferente dos outros. Bom aluno, especialmente em ciências humanas. Aliás, sensibilidade era o sentimento que dentro dele brotava com a mesma força com que as sementes brotam do chão nos tempos chuvosos como aqueles.

Vivia choroso pelos cantos. Tanto o pai, quanto a mãe, não entendiam o porquê da razão de tanto sofrimento. Ele tinha quase tudo que toda criança almejava. Um lar amoroso. Afeto não lhe faltava.

Mas, sempre ocupados com o trabalho pesado da fazenda quase não tinham tempo para se dedicarem ao menino. Era filho único o tristonho Zezinho.

Na escola era aluno acima da média. Só que na hora do recreio ficava solitário, evitava os colegas, entregue a pensamentos só dele. Era considerado pela professora, uma que entendia o que se passava dentro do menino, uma criança especial.

De repente Zezinho emudeceu. Parou de se alimentar. Olheiras profundas marcavam-lhe o rostinho triste. Teve de deixar a escola, pois não acompanhava mais as lições.

E aquela escolinha rural não estava aparelhada a tratar alunos especiais.

Uma vez em casa as coisas iam de mal a pior. Os pais do menino não sabiam como proceder. E ele foi levado a uma psicóloga. Que nele diagnosticou uma depressão incipiente, que se não tratada a contendo iria se transformar em algo mais profundo. Que poderia colocar em risco não só a saúde como a vida curta do pobre Zezinho.

As conversas com a dedicada profissional das mentes doentias não surtiu o efeito desejado. E o pobre Zezinho passava noites em claro. De olhinhos abertos, olhando pra escuridão inexpressiva do alto. Sem que entendessem o motivo de assim o ser.

Meses, tempos se foram para dias distantes. Nada de se observarem melhoras na atitude do menino triste.

Zezinho continuava na sua mudez preocupante. Alheio ao que se passava em volta.

A mãe já não sabia o que fazer. O pai, fervoroso cristão, da mesma forma viu esgotadas as suas orações.

Aos seis anos Zezinho ia de mal a pior. Sem emitir um som sequer. Sem falar com ninguém. Nem mesmo em seu cãozinho de estimação fazia afagos. Era uma pessoinha inerme. Inexpressiva, de olhos opacos.

Não havia como tirá-lo daquele estado de letargia preocupante. A hora do almoço levava a comida à boca, olhava desconfiado em direção ao prato, e o atirava longe.

Aos dez anos a situação nada mudou. Foi quando os pais, alertados por um parente da cidade, levaram o menino a um psiquiatra. O mesmo diagnóstico foi confirmado. E o tratamento foi mais uma vez debalde. O garoto continuava como uma folha morta, mesmo estando vivo a respirar.

Zezinho, ao doze anos passava as noites sem conseguir fechar os olhos. Eles secaram como a água da mina na época da estiagem. O jovenzinho definhava a olheiras vistas. Os pobres pais, desesperados, recorreram a uma benzedeira famosa por seus casos bem resolvidos. Ela nada cobrou pela consulta. Apenas pediu que todos juntos colocassem as mãos abertas sobre a cabeça do menino e orassem contritos.

Zezinho voltou a casa sem indícios de melhoras. Continuava na sua mudez preocupante. Em sua greve de fome. Emagrecia mais ainda.

Não se ouvia nenhum som deixando seus lábios sem viço. Nenhuma palavra mais saía de sua boca crispada. Sua pele clara mostrava manchas arroxeadas.

As noites eram suas melhores companhias. Era quando Zezinho passava horas em vigília. Contando as estrelas. Que com ele pareciam conversar. Numa linguagem que só eles entendiam.

O menino que contava estrelas de repente subiu aos céus. E virou mais uma estrelinha triste a vagar pelas noites escuras. Essa estrelinha miúda serve de alerta aos pais. Depressão tem cura. Antes que seja tarde demais.

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