O menino que juntava raios de sol

Uma névoa densa amanheceu naquele dia bem cedo. Nada se via além da cinzentice do nada.

Fazia frio. A relva molhada, com pingos de gelo a se derreterem, compunham o cenário lindo e ao mesmo tempo difícil de suportar. Aos mais velhos fazia doer as juntas. Já as crianças encapotadas amavam ver salpicos de gelo fininhos transformados em água. Deixando em seu lugar tudo molhado. Como se algum aspersor ligado a uma bomba qualquer cuidasse de irrigar o gramado.

A família rural, composta de pai, mãe e dois filhos menores, ali viviam há anos e anos. Existiam  para o trabalho. Eles ganhavam a vida plantando e colhendo uvas. Num grande parreiral que se estendia por quase toda a propriedade.

Uma criação de galinhas fazia parte do seu ganha pão. Eram galinhas especiais. Muitas exibiam uma plumagem farta. Eram aves exóticas. Bem aceitas no mercado da pequena cidade perto daquele sítio no sul do país.

Nem bem o relógio marcava cinco da manhã todos já estavam de olhos abertos.  Norge era o mais jovenzinho. Ele contava com apenas seis aninhos. Era esperto, estudioso, já frequentava a escolinha rural desde o ano passado. Já o irmão, de nome Jorge, era diametralmente oposto ao outro. Nada queria com a escola. Preferia aos cadernos a lida no parreiral. Já estava com oito anos. Era lourinho. Olhinhos azuis da cor do mar. Enquanto Norge era moreno. Mais parecido a mae.

A lida no parreira começava ao cantar do galo. Tanto o pai, Estevão, quando a mãe, Manuela, depois do café da manhã iam carpir as ervas daninhas que ameaçavam a saúde dos pezinhos de uvas recém-plantados. Ajudados pelo filho mais velho, que adorava tratar das galinhas especiais.

Já Norge ficava na cama até altas horas. Tinha a mania de contar as estrelas desde que elas aparecessem na abóboda celeste.

Um dia, era inverno, em seu começo, fazia frio de tiritar as orelhas, nada se via no céu a não ser a cinzentice do indescritível cenário mais frio do ano, o sol não se mostrava no seu sorriso amarelo. E como o sol era bem vindo ao parreiral. As uvas novinhas careciam de claridade para crescerem.

E, enquanto toda a família pegava cedo no trabalho Norge continuava na sua tarefa de nada fazer. A sua maneira pensava ser útil aos pais. Já que com o irmão mais velho não se dava.

O inverno apenas começava. Mais quatro meses de frio intenso, ausência de sol, a chuva minguava.

E o parreiral enorme mostrava indícios de carência de sol e chuva. As folhas, que deveriam estar verdes, amarelavam. Os cachinhos de uva não cresciam. E o parreiral novinho sofria pela falta de raios solares.

Norge parecia desatento aos problemas da família.

Nem a irrigação feita com água de um poço distante dava conta de suprir a falta de sol no parreiral. Graças ao esforço conjunto a saúde da plantação de uva parecia mudar. Água não mais era o senão. Mas o sol…

Norge passava dias e dias fazendo poemas. Já que as aulas só iriam começar de agora a dois meses, o garoto, o qual parecia indiferente aos problemas dos pais, nos seus devaneios passava horas vazias de olho pro alto. Durante o dia não tinha estrelas para contar. Raras vezes apareciam algumas nesguinhas de raios solares que logo eram engolidos pela cinzentice das tardes vazias.

A hora do almoço, com todos reunidos a mesa, Norge estava presente apenas em pessoa, ausente com seu ar de desalento, todos juntos, o pai Estevão, a mãe Manuela, o irmão Jorge, que sempre implicava com ele, pela primeira vez passaram uma descompostura no mais jovem da família.

Foi o pai que tomou a inciativa da advertência. Logo seguido em coro pelos outros.

“Norge, meu filho. Tenho visto que você não se preocupa com nossa vida. Tanto faz que o parreiral produza. Que as galinhas tenham saúde. Não vê que falta quase tudo em nossa pequena fazenda? Estamos quase falidos. Conseguimos água para irrigação. Mas sem sol as uvas não dão cacho. Nem qualidade delas virao”.

Foi quando o calado Norge saiu da mesa e logo voltou. Ele trazia na sua mãozinha direita um pote enorme. Assim que abriu o vasilhame dele brotou uma enxurrada de raios de sol. Eram tantos que acabaram por inundar o parreiral de uma clarume intenso. Logo o parreiral criou vida. As uvas cresceram. As folhas enverdeceram. A produção, a partir deste dia, aumentou tanto que encheu as caçambas de dez caminhões.

O lucro e o sorriso voltaram aos rostos da família de Norge. Graças ao costume do garoto, que parecia ausente, de juntar raios de sol.

 

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