A moça de olhar tristonho

Como explicar, dar asas a tristeza, que de repente toma conta de nós?

Mesmo num dia claro. Céu azul, sol na amarelice trigueira que hoje despontou radiante no dia que nasceu inda pouco.

Quando tudo vai bem com a família linda que nos cobre de carinho? No instante mágico em que a profissão é tudo de bom que elegemos nos verdes anos de nossa vida?

Como compreender a razão, aparentemente inexplicável, de assim que acordamos, de uma noite linda, ao nos vermos no espelho percebemos que nossos olhos não exibem o brilho costumeiro? Ao invés uma mancha cinzenta consegue apagar o sorriso que deveria ser consequência da alegria incontida que sempre nos acompanhou? E agora se fez ausente?

E da mesma forma observamos, em nosso cotidiano lindo, ao descermos a rua em direção ao trabalho, como hoje se deu, um desabrigado ainda parcialmente coberto por um velho cobertor surrado mostrando na face um sabor de contentamento?

Enquanto ele, sem razão de estar feliz, mostrava na face indizíveis sinais de contentamento, conquanto eu, que tinha tudo para me considerar feliz, achava-me antagonicamente acabrunhado, vislumbrando tudo da cor cinza, mal vendo o céu azul e o sol sorridente.

São fatos retratos de nossas vidas. Tempos divergem. Dias existem quando a felicidade persiste. Noutros nada acontece que explique a nostalgia que se apodera de nós.

Hoje, fevereiro em sua metade, mais um, ao subir o morro que me leva aos portões do condomínio onde moro deparei-me com uma linda moça morena descendo pelo passeio ao lado.

Já a havia visto antes. Mas não tive tempo para ver-lhe a face.

Hoje, como estava adiantado da hora, ao me cruzar com a mesma tive tempo e curiosidade não apenas para desejar-lhe bom dia como da mesma forma observar-lhe atentamente os traços. E ver, na sua fisionomia, que algo inexplicável não conseguia iluminar seu rosto sombrio.

Seu sorriso não se deixava ver naquela hora temprana. Lábios crispados. Olhos, se bem que bem abertos, dentro deles em verdade não transparecia a felicidade.

Ao revés. A linda moça morena passou-me toda a intranquilidade do mundo.

Naqueles breves instantes que nos cruzamos deu para perceber que a tristeza a ela fazia companhia. Quiçá em outros dias também. Se bem que antes não havia notado.

Ela por certo trabalhava nalguma casa vizinha a minha. Ainda não sei qual seria.

Deixei a moça morena chegar ao seu trabalho sem interpelá-la. Não deu tempo, talvez a ela parecesse indiscrição de minha parte, tentar saber a razão de sua tristeza. Mal nos conhecíamos. Era uma quase estranha para mim.

Um dia talvez, quando o tempo me permitisse, e a visse outra vez, talvez a abordasse. E a ela perguntasse a razão de seus olhos tristes.

Já agora, quase oito horas da manhã, já no meu consultório, ainda de portas fechadas e ouvidos atentos, a espera que pacientes me procurem, ao me lembrar da moça morena de sorriso triste, uma súbita lucubração me fez pensar.

Eu também não acordei de bem com a vida nesta sexta- feira linda. Sol falando alto, céu de um azul intenso. Com a perspectiva de um final de semana da mesma forma belo.

Talvez a tristeza que notei nos olhos daquela moça morena fosse tão somente um reflexo do que se passava dentro dos olhos meus. Eu me vi nela. Tomara amanhã, noutro dia qualquer, quando a ver novamente, nossos olhares se cruzem de uma forma distinta. E a felicidade que dela irradia tomara inunde nossos dias de um sol resplandecente. E faça nossos olhos sorrirem.

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