Vida dura do pobre Chico Pindaíba

Os tempos andam respirando crise neste começo de ano novo.

Padarias entregas aos pães. Consultórios de homens de branco esperando melhores dias. Lojas anunciando saldos. As remarcações não dão conta de reduzir os estoques. Cheques que batem e voltam vermelhos de vergonha da falta de provimento. Oportunidades de empregos a míngua. Até mesmo a lua minguante nunca esteva tão fininha. Parecendo um queijo terminal depois que a ratazana nele lambeu os dentes.

Ao revés.

Ontem passei por um escritório diferente. Era uma financeira com os seguintes dizeres no frontispício: “leve seu dinheiro na hora. Sem nenhuma burocracia. Basta assinar este papel em branco que logo sua aposentaria fica com a gente e o senhor ainda fica com o saldo devedor”.

E pasmem! A loja que anunciava empréstimos mostrava uma fila enorme em sua porta de vidro. De onde se podiam ver os interessados de joelhos, ávidos por dali saírem com alguma grana no bolso. Que logo desaparecia de onde estava. E sumia na braquiária molhada.

Para comprovar o dito escrito basta tão simplesmente estar de olhos e ouvidos atentos ao andamento do nosso malsinado país. Só que estamos às portas do carnaval. Ano eleitoral. Logo depois das festas de momo a vida começa ainda pior. Tomara meu vaticínio não se concretize. Quem sabe depois de outubro o cenário mude. Não aqui. Por certo noutro rincão, longe, bem distante do nosso chão.

Chico Sem Sorte, idem conhecido por Chico Pindaíba, pois o máximo que conseguiu juntar em sua vida bem vivida foram dívidas e mais delas, parece ter nascido num dia treze, de um ano treze, onde o sete nunca lhe deu fortuna. Ao contrário do imaginário.

Uma vez, quando passava por uma casa lotérica acabou jogando tudo que tinha e pediu emprestado num jogo que tinha o sete no começo, meio e fim.

Não precisa dizer que perdeu todas as economias parcas que juntara desde o derradeiro emprego. Que foi o último. Na demissão, ainda se lembra com olhos rasos d’água, o patrão alegou corte nas despesas. A firma balançava entre afundar e naufragar. Pedindo empréstimo naquele escritório, que deveria ser fechado pelos juros altos que cobrava dos incautos, parecia ser a solução para o soluço da lavoura. Acontece que a vigilância sanitária dos penduras não passava ali. Pois devia uma nota das grandes àquele escritório de fachada. Já que seu negócio principal era lavagem de dinheiro de um político maioral em seu curral eleitoreiro. E como havia vacas a esperarem de mojo aberto as benesses dadas pseudo graciosamente antes de o voto cair na urna que não era funerária.

Um dia eis que o infeliz Chico Pindaíba pensou que a sorte iria mudar. Logico que a única coisa realmente mudada foi a cor do céu, que de cinzento passou a azul. Mas logo acinzentou-se de vez para sempre.

Mas o velho Chico era persistente. Era estoico, tinhoso e renitente. Caso escorregasse numa casca de banana mole e ia ao chão, levantava-se como se nada houvesse sucedido. Limpava a fatiota limpinha, ou quase, recém-retirada do armário morada de ratos magros, e ia adiante. Para tombar no primeiro degrau da escada. Levantava-se, soerguia-se, vamos evitar sinonímias em excesso, e seguia em frente.

O carnaval passou. As águas de março também deixaram rastros de destruição por onde vieram. Inclusive a morada do pobre Chico foi levada no aluvião da enxurrada. Só dela restando saudades molhadas.

Mesmo assim, vivendo debaixo de um viaduto, sem salvo conduto, ou autorização das autoridades omissas, durante uma noite malograda a polícia, com seus cassetetes duros e pontudos, durante uma diligência equivocada, acabou por enfiar a borduna do guarda parrudo justamente onde? Nas costas fracas do pobre desinfeliz Chico Pindaíba. A quem foi dada ordem de prisão imerecida e injustificada.

Ali amargou cadeia por um mês inteiro. Perdeu não apenas o carnaval como a única coisa que ainda considerava sua. A hombridade. Foi feito de mulher sem querer. À força do constrangimento. Foi uma noite a qual nunca esqueceu. Durante a curra pensou deixar de existir. Por sorte, ou azar, a corda de cobertor podre veio a se romper durante a tentativa de enforcamento. E acabou caindo novamente nos braços tatuados do preso que o seduziu.

Saiu da cela desenxabido e acabrunhado. Da cadeia foi libero sem pagar fiança. Pois grana não havia. Em seu bolso vazio.

Mas, ao deixar aquele antro de bandidos, ainda não se achava um, como a sociedade não oferece uma segunda chance aos ex-presidiários, e Chico era um, acabou entrando na lista enorme de meliantes sem carteira assinada.

Participou, sem tomar partido, de um assalto não consumado ou consumido, a um banquinho vagabundo. Era o mesmo escritório dos empréstimos consignados. Aquela lojinha tacanha. Onde desesperados ali pensam encontrar sua tábua de salvação. Mas nada disso era ou seria. Apenas uma arapuca que pega pássaros desavisados em sua gaiola safada.

Desta vez o pobre Chico não teve como alegar inocência. Foi sentenciado a dez anos de xilindró. Por um crime no qual não teve participação alguma. Fora estar no lugar certo na hora errada.

Até hoje Chico Pindaíba aguarda julgamento. Imaginem onde o detento Chico vai passar dias e horas malfadadas? Junto ao mesmo preso que o fez de fêmea. Naquela noite quando desejou passar ao outro mundo sem ser a sua hora exata.

 

 

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