Recomeço

Daqui de cima vejo aquela rua. É bem cedo ainda.  A cinzentice do céu parece se abrir um amarelo pálido. O sol acorda timidamente. Com seus raios quentes. Hoje está fresco. Faz frio para os nossos padrões tropicais,

A rua que daqui se permite ver faz parte uníssona do meu passado. Ontem de tarde passei por ela. Como ela está diferente. Ela agora veste sapato asfaltento. Um piso distinto daqueles verdes anos. Antes eu ali brincava quando ela ainda era de terra batida. Depois a calçaram de pedras duras. Que ainda ficam sob o asfalto.

Muitas casas daquela rua cederam lugar a prédios baixos. A primeira era onde morava meu avô Rodartino Rodarte. Onde hoje mora o prédio do mesmo nome. Edificado por meu pai. Que Deus, na sua bondade infinita os acolha perto de si. Tanto meu pai, como outros pais, como muitas mães que não estão mais aqui fisicamente. Por certo espiritualmente ficam pertinho da gente.

Quando ainda morava naquela rua estudava no mesmo colégio que hoje abriu suas portas a alunos bem mais jovens que minha idade acusa nos dias de hoje. O mesmo uniforme verde e banco fazia parte do meu vestuário.

Era janeiro de um mil novecentos e antigamente. Antes, um cadinho antes, de um mil novecentos e sessenta. Tinha exatos seis anos naqueles anos bons. Ia à escola levado, não me recordo bem, ou por meu pai ou minha saudosa mãe. Ignoro se me levava algum transporte escolar. Talvez o hábito de caminhar já estivesse grudado aos meus pés. Afinal a escola Carlota Kemper era pertinho da minha casa. Da minha rua distava apenas um passeio curto. Hoje ensombrada por sibipirunas arrebenta passeios.

Amochilado, todo vestido em verde mata, lá ia eu à escola. Aprender as primeiras letras. As quais fui apresentado pela veneranda dona Belisa. A qual morava ali pertinho. Onde antes era um cafezal do senhor Horácio Carvalho, vizinho mais acima dos meus pais.

Quantos e quantos vizinhos hoje moram no céu. Não vou enumerá-los a todos. Já o fiz em outra crônica anterior: “pra onde foram os meninos da Costa Pereira”? Alguns ainda passeiam entre nós. A maior parte ainda os considero amigos. Se bem que muitos não frequentam os mesmos lugares que eu.

O mês de fevereiro marca efemérides importantes. O carnaval começa de hoje a três dias. Tão somente. E nosso país só começa depois das festas de Momo. As aulas recomeçam neste mesinho curto. No máximo fevereiro conta com vinte e nove dias.

Hoje, creio que ontem também aconteceu, ao descer a rua como de rotina, vi alunos amochilados indo as suas escolas. Em uniformes díspares. Alguns eram verdes como o meu. Outros eram azuis e brancos, de outras cores.

Andando rápido, para aqui chegar, antes das oito da manhã, quando começo a atender, ao observar meninos com suas mochilas às costas, foi como se um recomeço fizesse-me remoçar.

Pena. Ao me olhar no espelho, e perceber que a idade não era aquela daqueles estudantes novos, que eu não era o mesmo, não mais exibia no alto da cabeça aqueles tufos generosos de cabelos, a pele da face não era tão viçosa, olheiras insones marginavam-me o canto dos olhos, conclui que o recomeço apenas era fantasia. Não a de Pierrô e Colombina que se usava nos carnavais passados.

Agora o recomeço tem outro nome e endereço. Não mais moro naquela rua. Moro mais acima. Mas sempre que posso por ali passo. Tentando recomeçar tudo de novo. Debaldes foram as tentativas vãs. De um novo recomeço.

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