A falta de perspectivas de Tião Desalento

Desde cedo, antes da maior idade, Tiãozinho, menino espertinho, nascido num rincão perdido entre o nada e o fim do mundo, não é que a vida parecia lhe sorrir?

Ganhou de presente no dia do seu segundo aninho uma bezerrinha nascida de boa vaca leiteira, com um futuro promissor. Diziam maravilhas de sua mãe. Várias vezes campeã de leite em disputadas contendas leiteiras. Em cada tirada matinal se mediam trinta litros de leite em cada ordenha. Ao todo se contabilizavam sessenta. Ela só garantia os mais de duzentos litros que eram vendidos a um lacticínio que um dia fez água. E acabou dando um prejuízo enorme aos produtores da região.

O garoto Tiãozinho, até os dez anos, era um otimista de sorriso aberto. Sorria da própria desgraça da família. Que só sobrevivia de tinhosa naquele rocinha enfiada entre o nada e nenhuma coisa que prestasse.

No período das chuvas a estrada impedia que alguém ali chegasse. Na seca a poeira deixava todos os arrabaldes da cor amarela pálida. E era longe da cidade mais próxima aquela pequena propriedade.

Mas, como não sabiam fazer qualquer coisa, salvo um tio, seu padrinho de batismo, nenhum outro aparentado tinha dependurado na parede um diploma de curso mediano.

Eram roceiros de berço e identidade. Assinavam com a polpa do dedão maior.

Igual destino assoprou aos ouvidos moucos do pobre menino. Que por sua vez era feliz da vida. Adorava a singeleza do singelo. Ficava horas baldias assistindo ao tico tico tratar do enorme pássaro preto. Como se fosse filho próprio. Quando as rolinhas desciam do ninho por elas próprias, meros filhotinhos, era um espetáculo aos olhinhos inocentes do feliz menino. E quando uma vaca paria, amoitada num mato denso, aquela cena maternal era o máximo do desfrute.

Toda a vida no campo agradava e muito ao garoto Tiãozinho. Era aquilo com que sempre sonhou, desde que viu a vida com olhos risonhos desde quando nasceu.

Um dia a propriedade lhe foi passada de papel passado. Os pais morreram. Já bem andado em anos muitos.

O já adulto Tião, contava com trintanos desde então, passou a dirigir a gleba de terras com tino de bom administrador. Aprendeu a época melhor para deixar a vaca aos cuidados do touro reprodutor. O tempo ideal para o plantio. Quando ensilar o milho. Quando roçar a pastaria. A melhor ocasião para inserir as sementes à terra arada. Até conseguiu, graças ao seu esforço hercúleo, comprar um trator de segunda mão.

Começou aí a sua danação.

Num dia de chuvadonha furibunda, como tinha o costume de arar a terra para os vizinhos, a fim de fazer engordar a renda pouca, saiu com o trator depois da primeira ordenha. Foi nesta manhã calombenta que as coisas passaram de mal a pior.

Uma das suas melhores vacas amanheceu com o úbere inchado. Foi por picada de um enxame de marimbondos dos piores. De aí a perda das quatro tetas foi um pulo do gato morto. Seu gato fiel, já que não tinha cachorro, apareceu durinho da silva no chão da cozinha. Ao seu enterro não compareceram outros felinos. Apenas e tão somente a ele assistiu o desolado Tião.

Já que a pobre vaca antes baldeira não tinha mais futuro, nem mesmo presente, foi passada adiante, e como estava gorda, a um açougueiro que acabou não pagando a encomenda.

Mais um prejuízo na contabilidade já à bancarrota do desinfeliz Tião Desalento.

Já que nada podia fazer no curral só restava a ele arar a terra do vizinho de pasto. Ainda pensando na vaca dependurada nos ganchos do açougue, e como ela lhe era cara, Tião, com a cabeça nas nuvens, esqueceu-se de um pequeno detalhe. Não puxou o freio do trator. E ele rolou ribanceira afora e acabou batendo numa enorme árvore dura. Não apenas avarias na pintura sucederam. Imaginem o estado do motor do desafortunado trator.

Naquela tarde, quase noite, Tião Desalento passou insone. Pela sua cabeça contabilizavam os prejuízos do dia infeliz. Mais ou menos cinco mil da vaca morta. Sua carcaça pesada não foi paga pelo açougueiro safado. O conserto do trator foi orçado em mais de dez mil reais. E ele não tinha como pagar o motor recauchutado.

A manhã de um novo dia o recebeu com mais chuva no alto do pasto. Mais águas, mais barro, mais impedimentos ao caminhão leiteiro que não subia ou descia o morro. E sem trator, sem condução para levar a produção leiteira ao tanque do caminhão o leite azedou na contramão.

Naquele dia todo faltou luz nas terras da região. E tirar mais de quatrocentos litros de leite na munheca era tarefa para qualquer outro deixar de fazer. Mas Tião, também alcunhado de Desalento, antevendo as coisas irem ao fundo do poço, por pura falta de perspectivas de se dar bem na única coisa que sabia fazer, desde o nascer até agora, acabou vendendo tudo a preço de banana verde.

Mas, mais uma ressalva. Quem comprou a terra, com algumas benfeitorias, do Sebastião, deu-lhe um cheque samba canção. Daqueles que voltam, retornam, corcoveiam e nunca mais o fundo mostra.

Já vivendo na cidade, debaixo de um viaduto, quando chovia era um alagamento só, Tião Desalento olhou pro céu, e orou, contrito.

Parece que, a partir de aí, as coisas iriam melhorar. Em verdade. Foi quando um carro em movimento veio a colher o pobre Sebastião de costas. Nada dele sobrou. Nem mesmo a resposta as suas súplicas trôpegas.

 

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