Theo, o menino passarinho

Ontem tive um dia de cão. Aliás, quem teve um dia nada favorável foi uma pobre cadelinha. Meio mestiça, nas cores branca e negra.

Trouxe a infeliz de bem distante. De outra represa. A de Camargos. Ela, e seus quatro irmãos deixaram sua mãe solitária, engaiolada num canil confortável. Caso permita que Laika Rosa ande livre bem sei que a cadela vai comer galinhas, ou desapareça de meus domínios acompanhando um carro que por ali passe.

A mais ligada à mãe, já que foi a derradeira a deixar seu nicho, acostumou-se a seu único irmão. Eles e mais um cãozinho filhote dormem na varanda da casa Amarelazul

Meu outro cão, um pastor filhote de nome Del Rey, é o vigia de outra casa que nunca acaba. Ele passou tempos para se recuperar de uma infestação de parasitas na mesma represa onde mora a Laika. E de pouco retornou ao seu posto de suma importância para a segurança das minhas posses. Há dias atrás fui aliviado de um barco atado, pensava eu, com segurança na beira da água. Embora tenha feito o boletim de ocorrência creio que nunca mais vou ter o casco do meu barco de volta.

A tal cadelinha filhote, que não sei o nome com o qual foi batizada, deveria ser a companheirinha do meu pastor alemão. Tentei fazê-la entender a razão da sua mudança. Caminhando, fazendo-a ir de boa vontade ao lugar onde Del Rey estava, não foi possível.

Por esta razão tentei, gentilmente, inseri-la dentro da minha caminhoneta. O banco do carona estava vazio. Pena que a janela do lado direito estava a meio vidro. Num ímpeto suicida a cadelinha assustada pulou pela fresta da janela e se esborrachou debaixo dos pneus do veículo. E teve morte instantânea. Não compareci ao sepultamento. Ela foi enterrada, deixando saudades tantas, num lugar a salvo do bico dos urubus.

Quase refeito do susto, depois de um dia assaz cansativo, passei a observar canarinhos da terra a avoarem em busca de um lugar seguro para depositar seus ovinhos. Nada fiz para contrariar-lhes o desejo de se abrigarem na viga mestra que segura o telhado da minha varanda.

Foi quando me lembrei do meu netinho de nome Theo.

Ele se parece, e muito, a um canarinho belga. Lourinho como o que tenho em minha casa da cidade. Não canta como ele. Mal sabe o Theo falar muito menos piar.

De quando em vez, quando ele me visita, logo pede, com suas mãozinhas irrequietas, que o leve a ver o canarinho.

É preciso que abaixe a gaiola ao mesmo nível dos seus olhinho s escuros. Ele fica, pedindo que eu tome a mesma atitude, a olhar embevecido o cantar agudo do Russinho.

Ao ver os canarinhos da terra avoando para fazer um ninho no telhado da minha varanda na casa da roça, foi que pensei na possibilidade de o Theo e os canarinhos serem as mesmas pessoinhas.

Não deixaria nunca o meu neto engaiolado preso. Fá-lo-ia voar. Caso lhe fosse do desejo cantar, ensiná-lo-ia.

Não iria depositar alpiste na pequena vasilha destinada a isso. Deixaria o menino Theo caçar o próprio alimento entre as coisinhas que o apeteceriam.

E se ele não aprendesse a cantar logo chamaria um pássaro canoro a lhe dar aulas de canto lírico. Não importa o estilo de música que o meu netinho querido apreciasse. Fosse o que fosse. Ficaria encantado. Mesmo que fossem uns trinados roucos.

Ontem foi um dia de cão para mim. A casa que nunca termina fica a um passo de não ficar prontinha da silva. A infeliz cadelinha, num gesto tresloucado, se atirou do carro em movimento vindo a perder a vida. Coisa que mais aprecio.

Em contrapartida outras vidas mugiam ao meu lado. Canarinhos da terra faziam ninho nas traves da minha varanda na roça que tanto amo.

De novo me veio à memória meu netinho querido. Não vou repetir seu nomezinho.

Ao ver um daqueles canarinhos, ainda pardinho, que de repente empoleirou-se na palma da minha mão, ajeitou-se docemente entre meu polegar e o dedo usado para examinar a próstata, logo voltei meus pensamentos ao menino Theo.

Seriam ele e o canarinho da terra a mesma pessoinha? Se não, não me impeçam de sonhar. Por favor, não.

 

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