Confesso não ter sentido

Um dia, ao correr por uma estradinha vicinal, dadas as péssimas condições do local, acabei, no afã da emoção, pisando um barro grudento, pedrinhas de cascalho fino entravam-me sola do tênis adentro, tendo um entorse de certa gravidade. E como senti a dor no exato momento! Foi preciso muita fleuma e coragem para continuar a corrida, em passadas mais lentas, até procurar socorro no achego de um hospital. Não me lembro de quem me aconselhou, naquela hora de dor, com estas palavras responsáveis: “doutor Paulo. Você não tem idade para correr tanto. Tente domar a sua vontade de voltar atrás. O senhor não é mais um menino. Embora tenha marcado uma consulta com um pediatra o melhor seria ter ido a um geriatra”.

Mas, como sei que burro velho não pega marcha, continuei na minha desgraça de sonhar ser menino. Apesar de conjecturar mais este um sonho pueril de um sênior ainda pensando estar cônscio do seu discernimento. Estaria?

Meu pai veio a falecer da doença de Alzheimer em meus bracos impávidos de médico. Ele, nos últimos anos de sua produtiva vida de repente se viu privado do tirocínio. Creio que suas células cerebrais foram se perdendo, o cérebro antes brilhante foi atrofiando, até chegar aonde chegou. Não sei se o mesmo caminho me espera. Ah!, se for, que seja feita a vontade do nosso Papai do Céu.

Bem sei que todos nós caminhamos do passado ao presente. O futuro nos espera com sua língua carregada de esperança de que o tal seja ameno.

Isso de desenvelhecer, caminhar ao revés, não passa de conto da Carochinha. Embora por vezes sinta, dentro de mim, um comichão a me dizer: “Paulo. Não se acanhe em pensar ser menino de novo. As minhas atitudes destemperadas por vezes me dizem que tudo é possível, se a alma não se apequena”.

Ontem foi meu cumpleanos. Dia sete de dezembro faço desaniversário. Por que desaniversário? E não sem o des?

Ao chegar aos mais de cinquenta, já que estou sessenta e oito, os anos correm tão céleres que não somos capazes de contar quantos mais teremos adiante. Daí a minha teimosia em afirmar, mesmo no logro, que, apesar de gozar do privilégio de pagar meia entrada nos cinemas, alguns museus nos facilitam a entrada franca, de andar de ônibus sem pagar tarifa, creio que a idade cada vez mais nada pesa aos meus anos vastos.

Corro agora mais do que dantes. Nado com maior rapidez que aos meus quinze anos. De tempos pra cá retirei as rodinhas brancas da minha bicicleta. E, com o aval dos meus leitores, creio escrever muito melhor que no começo.

Ontem, como disse, completei mais um ano de vida. Dos sessenta e sete subi mais um degrau.

Acordei bem disposto na manhã desse dia chuvoso. Agora, no reloginho do meu computador sofredor, ele assinala sete e quarenta e quatro minutos.

Desci a rua com o guarda- chuva aberto. Ele não impedia de alguns pingos molharem a barra da calça escura que agora uso.

No meio do caminho parei uma linda moça a qual já conhecia. Seu nome é Mirella. Ela, mesmo usando um capote à moda de Chapeuzinho Vermelho, assim que nossas pernas se cruzaram, olhou-me com olhares de brandura e simpatia. Foi quando saquei do meu i-phone sete. E a ela mostrei uma crônica a qual a mesma foi a inspiradora. A moça linda, no meio do passeio, passou a ler meu texto de dois dias passados. E não parou de saboreá-lo até o fim. Não pude deixá-la partir sem acrescentá-la ao meu whatsAp. Agora, na escola onde ela estuda, deve estar se lembrando de mim. Com carinho, tomara.

Ontem estava sessenta e sete. Hoje o relógio dos anos passou a apontar mais um ano de vida. Tomara muitos ainda me esperem. Anos e mais anos mais. Já que a menos não será possível.

Deixo a vocês, leitores, essa confissão nascida durante a descida da rua até aqui. Sei que hoje, oito de dezembro, fiquei um ano mais velho. Mas, bem penso não ter sentido.

 

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