Presente de Natal de um Zé Mané qualquer

Dezembro mostrou a cara chuvosa.

Hoje, dia sete, meu aniversário, nuvens cinzentas se mostram no alto. Deve chover no debrum do dia. Mais tarde. Talvez.

Foi nesta manhã auspiciosa para gente da roça que Seu Zé Mané, caboclo estoico e trabalhador deitou uma das mãos, a única que tinha, pois a outra foi perdida em sua quase totalidade numa faca de picadeira de cana da canela grossa, a fim de sentir o sabor da madrugada. Pois diziam, nos arrabaldes, que aquele senhor de coração apertado pelas agruras da vida sabia melhor dizer que o serviço de meteorologia quando vai chover. Quando o sol deitava sua cara sorridente na linha do horizonte. A época ideal para o plantio do milho. Quando a vaca daria cio. O motivo que a velha coruja chocava os ovos naquele mesmo cupinzeiro morto. Qual a razão de o tucano ter sido eletrocutado nos fios de alta tensão ao tentar saquear o ninho da pobre pomba trocal. E quantas coisas mais. Que só os homens do campo aprenderam. Não nos bancos da escola. E sim alertados pelos vagalumes erráticos que perambulam pelas noites escuras. E, quando cansados de serem apenas insetos da família dos besouros voam mais alto, em direção ao céu, ali fixam residência e passam a ser estrelinhas piscantes, ex-pirilampinhos insetos, que podem ser pilhados em fragrante pelo moleque que hoje faz mais um ano de vida, que por acaso sou eu.

Seu Mané havia de pouco semeado dez saquinhos de semente de milho. E rezava para a água desabar do seu manto sempre azul. Todas as manhãs repetia a mesma prece.

“Meu bom Papai do Céu. Peça, com carinho, que o responsável pela abertura das torneiras de sua fazenda celeste abra logo este caninho. E que deste céu azul caia água de montão. Não em tempestades furibundas. E sim numa chuvinha criadeira. Aquela que meus vizinhos apreciam. E todos por aqui agradecem a bondade de São Pedro”.

Não foi desta vez que seu pedido foi deferido. Foram dias tristes de fecunda angústia por que passou o homem bão daquela roça perdida nos cafundós de um Judas que a raça humana achou de malhar erradamente.

Mas, enfim a vontade de Seu Mané foi atendida. O céu de azul azul se tintou de cinza plúmbeo. E uma chuva do jeitinho que Seu Mané desejava despencou a chorar de cima abaixo. E a roça de milho onde os pezinhos novos já enrolavam as folhinhas voltou a crescer vertiginosamente. Com que alegria Seu Mané recebeu aquela chuvarada no torso desnudo! Ria de beirada a beirada, exibindo a todos a sua banguelice estropiada.

A noite chegou com sua carruagem cheia de pensamentos bons.

Era véspera de Natal. Que coincidia com a data de aniversário de Seu Mané.

Um pequeno percalço impedia que a felicidade de Seu Mané fosse completa. Tudo parecia sorrir de alegria para aquele valente e sofredor homem bão da roça.

O estado das estradas vicinais era calamitoso. A prefeitura da comunidade alegava falta de máquinas para a conservação daquela pontinha que ameaçava cair da noite pro dia.  E era o único caminho por onde o velho caminhão leiteiro passava para voltar ao lacticínio.

Outro motivo para o desleixo com as estradas rurais, isso afirmava o secretário de transporte, era, assim que dezembro entrava todos mostravam uma má vontade danada com o trabalho. Ora atestados médicos entulhavam a mesa do alcaide. Ora em verdade o operador da velha patrol em verdade ficava gripado.

Os motivos, a maioria não eram válidos, pipocavam de alto a baixo nas faltas sempre repetidas. E as estradas ficavam verdadeiros pântanos alagadiços. Salvo um atalho era o único descaminho por onde todos passavam. E mesmo a curta trilha foi fechada. Por falta de revisão.

Durante aquela noite indormida, pensando em como levar o milho, recém colhido para a feira dos domingos não havia como escoar a produção, Seu Mané rezou assim.

“Quem estiver me ouvindo pare para pensar. Não quero presentes na noite de Natal. Ou no dia de hoje, sete, quando minha data natalícia cai. Quero sim estradas boas. Não carece que sejam asfaltadas. Que pelo menos desfaçam o atoleiro que um dia engoliu meu boi carreiro. Depois que ele quebrou a perna dianteira não tive como substituí-lo por um novo. E meu carro de boi ficou faltoso justamente o guia. Acordem de sua preguiça o patroleiro. Só ele sabe comandar aquela máquina enorme. Sem ela a nossa estrada fica intransitável. Não há como subir por ela. Muito menos descer. Faça os funcionários municipais darem o ar de suas graças. Pois senão a desgraça vai ser nossa. Demitam os que não querem trabalhar. O desemprego está grande. Outras bocas famintas sonham com este emprego. Da próxima vez elejam os melhores. Não os apadrinhados daquele ou doutro vereador. Que apenas se reúnem uma vez por semana. E passam os outros dias prometendo, de boca aberta, que, caso se reelejam na próxima eleição, tudo farão para as coisas melhorarem. E, já que a nossa roça de milho está no ponto de ensilar, nos ajudem emprestando-nos a retroescavadeira. Com os nossos enxadões não nos é possível furar buracões. E nosso milho picado por certo vai azedar antes do tempo. E nossas vacas baldeiras vão minguar o leite de suas tetas. E nem vai ter quem mame nelas na cidade. Pois aqui se trabalha em dobro. Não temos tempo para o ócio. Que para a gente é o começo do fim”.

Não sei se os pedidos de natal, que coincidem com os de meu aniversário, foram atendidos. Os meus, homem urbano com a alma no campo, não foram. Os de Seu Mané creio que da mesma maneira não tenham sido.

Quem sabe, no ano vindouro, eles sejam em verdade encarados seriamente. Por um prefeito daqui, por outro dali. Ou de qualquer lugar neste nosso amado país. Oxalá.

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