A linda moça menina que se perdeu na curva dos anos

De hoje a dois dias colho mais um ano de vida.

Dos atuais sessenta e sete pulo mais um.

Deixo aqui uma confissão nascida de dentro de mim: “em absoluto não sinto a monta dos anos”. Ter vinte e poucos, trinta, quarenta, dez anos a mais, nada significa nesta minha caminhada lenta pelos janeiros afora.

Deixo cá essa afirmação nada carregada de falsidade.  Aos sessenta e sete penso estar melhor que aos menos de vinte. Não pelo aspecto físico. Naqueles anos de antanho ainda tinha uma vasta cabeleira.  Longas madeixas enfeitavam-me o andar superior. Não exibia tantas rugas como agora. Nem os sulcos naso- labiais eram tão profusos como agora se mostram. Muito menos as têmporas exibiam tantos fios brancos como nos dias de hoje. Naqueles vinte anos nos dois lados da face nascia uma barba castanha. E um bigode da mesma cor. Ambos embranqueceram. Por esta razão ambos foram retirados. Na vã tentativa de aparentar mais jovem.

Hoje uma testa ampla se permite ver desde as sobrancelhas ao montinho exíguo que nasce na parte mediana da calota craniana.

Mas um consolo me faz sorrir. Naqueles verdes anos não escrevia tanto quanto agora. Nem tinha tanta imaginação quanto alardeio ter a dois dias dos sessenta e oito anos.

Hoje, cinco de dezembro, nesta terça- feira, desci a rua mais tarde que de costume. Não dormi bem. Como disse, de vezes antes, quando de mais idade o sono não nos faz falta. Temos de aproveitar cada minuto vivendo como se fosse o último. Pois não sabemos quantos mais nos restam. Aqui, vivos. Conscientes, em plena ou quase saúde perfeita.

Já no alto da rua, perto de onde moro, tentei acompanhar uma linda mocinha.

Que passadas rápidas nasciam dos seus pezinhos calçados numa frágil rasteirinha.

E como era linda a nossa mocinha.

Cabelos negros e lisos desciam até a cintura.  Nenhuminha mancha branca ainda neles nasciam. O pescoço era longo e fino. Clarinho como o resto daquele corpicho lindo. A altura era equivalente a minha. Por volta de menos de um metro e setenta. A cintura era feita a cinzel. Em perfeita harmonia com as nádegas ainda mais belas.  Nada tinha de exagero a barriga afundada. Nos dias de hoje, nas academias de malhação, poder-se-ia dizer que era uma barriga negativa.  As pernas eram longas, não em demasia. A face, ah!, se dissesse qual adereço era mais lindo teria grandes dificuldades. O nariz fino. Os olhos castanhos de um brilho excessivo. Já o sorriso era de fazer corar a mais lírica personagem de um filme magnífico. Ele não apenas ofuscava a luz tênue do sol que agora se abriu, como também fazia-nos gargalhar com seu bom humor constante.

Como ela estava, como eu, usando fone de ouvido, ao ultrapassá-la, depois de chicotear as pernas com uma chibata imaginária, alguns metros longos de onde a vi, pela vez primeira, foi quando puxei conversa com a linda mocinha. Ela estudava na mesma escola onde outras vezes adentrei para falar aos meninos sobre urologia e literatura. Soube então que seu nome era Mirella.

De hoje a dois dias faço mais um ano aqui neste planeta lindo chamado Terra. Dos anteriores sessenta e sete vou adiante mais um.

Não tive tempo de perguntar a idade da moça linda Mirella. A mesma que me acompanhou grande parte do nosso caminho.

Agora, quase oito da manhã, lá fora o sol sorri, poucas nuvens prenunciam indício de chuva, sofismo sobre a idade que teria a linda Mirella. Seria quase dezessete? Ou um cadinho menos? Ou bem mais?

Se dissesse entre vinte e quinze por certo acertaria a idade exata de Mirella. Não erraria tanto.

Não importa. Aquela linda moça, não estaria errado na minha conta, decerto se perde na curva dos anos incertos.

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