Hoje uma nesga de sol entrou em mim

Ontem nem mesmo a presença do arco-íris deu conta de retirar a névoa cinzenta que me encobria alma. E como estavam lindas as cores daquela aquarela multicor formada na linha divisória entre o horizonte e onde a terra faz uma curva para se deitar mais além. Pude identificar o vermelho, o amarelo, o lilás e o verde esmaecido. O verde é de todas as cores aquela mais cheia de matizes. De um inacreditável verdume quando a chuva desce, do alto, e dá cor e forma às múltiplas cores de uma verdice ímpar.

E como tem chovido nos dias cinzentos que nos antecedem. Chove durante a noite. Mais dela nos recebe pela manhã. De tarde mais pingos se vêem vindos do alto. Para voltar a chover em plena escuridão da noite alta.

A terra, o asfalto fica luzidio, os passeios intransitáveis.  Pessoas enguardachuvadas ficam no abre e fecha o guarda-chuva de instante a instante. Sacos de lixo derramados. Cães cavoucando lixo. As pernas molhadas, pois a proteção das sombrinhas não protege as canelas das fêmeas. Muito menos dos nossos olhares embevecidos pela beleza que emana delas. Sobremodo das partes mais acima.

O céu ainda promete derramar gotas de água cristalina pelo menos até o meio de semana.  Assim prevê a meteorologia, embora ela se equivoca grande parte das vezes.

Em dias nublados uma sensação vaga de melancolia se apodera do meu cerne. Algo indefinivelmente tristonho.  Como se uma paixão inexplicável, um amor que partiu, uma linda mulher que me deixou, fizessem parte de um sonho surreal.

Ontem estava assim. Em dias que antecederam o ontem da mesma forma se deram. A explicação que tenho se mostra, aos olhos desnudos, à presença da cinzentice das nuvens, da não presença do sol, da falta de sorriso dos desabrigados, dos desempregados, dos que não podem ofertar um presente de Natal aos seus meninos.

Ainda estou triste e acabrunhado. Poderia dizer, desiludido, até. Não pela pequena procura dos livros recém-editados. Mais adiante creio que mais pessoas irão receber, de bom grado, meu Por Quem os Sinos não Dobram.

E em breve conseguirei vender a maior parte dos quinhentos exemplares a mim destinados pela editora de São Paulo.

Não pela soma arrecadada. E sim pela cumplicidade com que os leitores me derem retorno, ao dizerem: “Paulo Rodarte. Adorei a ficção por você imaginada. Como amei seu estilo solto. Suas palavras bem concatenadas. Sua fecunda inspiração. Que nos faz viajar sem sair da cadeira, simplesmente debruçando os olhos em seu livro de número dezesseis”

Hoje, quatro de dezembro, há três dias do meu cumpleanos, acordei com um amargume no hálito.  Uma sensação estranha. Sem o que a explicasse.

De repente, sem mais que num repente, abriu-se, entre as nuvens cinzentas, um clarume no alto.  Agora, quase sete e meia da manhã, esta mesma claridade se desfez.

Mas, da mesma maneira sem explicação, um súbito alento de alegria se fez presente.

Uma nesguinha de sol adentrou-me afavelmente.  Foi como se meus pais voltassem à vida. E assoprassem aos meus ouvidos antes moucos, esta doce frase: “Paulinho. Não se apoquente. Estamos aqui em cima orando por ti”.

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