Hoje olhei pelo retrovisor da vida

Raras vezes ando de carro. A ele prefiro as pernas. Uma caminhoneta prateada fica estacionada perto de minha casa a espera de rodar. Quantas vezes, nos sábados, quando tenho de levar algum material a minha casa em construção da roça, coisas grandes que não poderiam ser levados no braço, embora ainda os tenha fortes, não sei por quanto tempo mais, bem cedo, junto ao canto do meu canarinho belga, encontrei-a sem bateria. Era um percalço logo remendado por uma chupeta rápida. Graças ao carro da minha pequena grande mulher, que não prescinde de autos para sua locomoção.

Por este motivo não tenho o costume de olhar pelo retrovisor. Quando dirijo, sim. Olho o que vem atrás, na tentativa inglória de me ultrapassar. Pois, uma vez andando de carro corro mais rápido que um raio ou um tufão engolidor de incautos.

Hoje, nove de outubro, dei uma olhadinha fugaz pelo retrovisor da vida que tenho levado. São mais de sessenta e sete anos, meses mais.

Foram anos bons. Meses melhores que os outros. Mas, no cômputo geral os de grande alegria foram a maioria. Esse fato devo a uma família maravilhosa que me foi dada de presente desde o nascimento aos dias que me abraçam agora.

A primeira delas foi a que vivi naquela rua curtinha que daqui me olha com olhares recheados de saudades. Foram os Rodartes de Abreus que receberam aquele meninozinho lourinho, cabelos cacheados como meu netinho Theo. E como eu folgava com meus queridos pais na Boa Esperança antiga, que hoje só existe nos meus sonhos primaveris. E ainda digo, buliçosamente, que em Boa Esperanca nasceram três personalidades de monta: o grande escritor educador, Rubem Alves, o pianista notável Nelson Freire, e o terceiro, pasmem!, sou nada mais, nada menos, sou eu (perdoem-me a imodéstia).

De novo olhando o retrovisor de minha vida espichada, espero viver mais anos que os anos levianos passados, contando nos dedos contam cento de trinta e quatro, a seguir dos Rodartes de Abreus veio outra família linda, constituída por uma Lasmar Correa e eu.

Ao lado dessa convivo a quase quarentanos. Sem contar os anos do meu namoro com a mãe dos meus filhos. Então se deve acrescer mais dez.

Dessa união nasceram dois pimpolhos. Primeiro foi um menino lourinho, a cara melhorada do pai. Cinco anos depois veio, para alegrar a família, pra mim foi um basta na prole, bem miúda, uma garotinha, hoje mãe do meu neto, a pequena jornalista de gênio irrequieto, dizem ser igualzinha ao pai.

Olhando de viés pelo retrovisor da minha vida corrida, e como eu corro pelas estradas da vida, olhando com olhos críticos, creio terem sido momentos de galhardia, tanto na medicina, quanto escrevendo com tanto furor. Se houveram deslizes, quedas, tropeções, quem não os têm pelo caminho? Eu tive tantos, tamanhos, que não dou conta de dizer quantos foram. Ou serão.

Tenho olhado com olhares complacentes pelo retrovisor da estrada, ora poeirenta, por vezes lamacentas, como vai ficar de aqui há alguns dias, assim que a chuva tão esperada nos der o ar de sua graça.

E esses olhares instantâneos, frutos de um cotidiano rico, basta saber enxergá-lo com visões de rica sensibilidade, tomara irão perdurar por anos e anos mais. Oxalá meu vaticínio se torne real.

Hoje mesmo olhei pelo retrovisor de minha vida até então. E acabei apreciando o que vi. Mesmo andando na contramão.

 

Deixe uma resposta