Mandaram o Sorriso embora

Isso de fechar a boca, franzir o cenho, cara feia faz mal não apenas ao dia após dia bem como a saúde de quem não sabe sorrir.

No caso do portador do riso escancarado for desprovido de dentes mostrar as gengivas rosadas também é outra opção. Muito melhor que ficar de lábios cerrados, dentro de uma aparência taciturna e trancada dentro dela mesmo, evitando os bons dias dos dias que se mostram com o sol brilhando a exemplo como o de hoje, sete de outubro.

Quem me inspirou esta crônica foi um menino escurinho como noite sem lua. Dono de um sorriso perfeito, realçada a cor do brancume dos seus dentes, enfileirados um a um, sem uma falha entre eles até a idade que ele conta agora.

Desde que o vi, no condomínio onde moro há inexatos dez anos atrás, por ele me afeiçoei.

Talvez seu jeitão simplório, sempre mostrando estar de bem com a vida, tenha sido o atrativo responsável pelo nosso achego.

Ainda me lembro de quando o estimulei a cuidar dos jardins. Ele começou os serviços gerais pela varrição das ruas no entorno enorme daquele ajuntamento de casas de fino trato. E passava as oito horas todas naquela tarefa inglória, pois ainda não ensinaram as árvores a terem educação. Principalmente os ipês. Poluidoras notáveis, que despejam flores inda vivas pela cara negra do asfalto cheio de fissuras precisando urgente de capa nova.

Em oito anos ele conseguiu juntar uns trocados e comprou uma motocicleta de segunda mão.

Sorriso, por mim batizado o Hélcio, se não me equivoco este lhe era o nome verdadeiro, atualmente vive separado da esposa. Creio que um filho apenas nasceu deste consórcio que pouco durou. Hoje o bom moço, de muita religiosidade, vive para cuidar do pimpolho, e ir a igreja da qual comunga a mesma fé. Em casa, num bairro de periferia ele faz as vezes de homem e de mulher. Pois além de cozinhar, lavar e passar a roupa, muitas lhe foram doadas por mim e meu filho maior, ele tem de faxinar os parcos metros quadrados do barraco exíguo onde mora de favor.

Não importam as agruras por que o amigo Sorriso passa. Jamais nele passarinhei os olhos e o vi sem aquele ar indefectível de felicidade a iluminar o pretume da cor de seu corpo de estatura mediana, não mais de metro e setenta ele tem da cabeça a planta dos pés.

Nos últimos tempos de nossa fraternal convivência tenho tentado introduzir meu amigo de outra cor da epiderme, no entanto da minha cor por dentro, em outros idiomas que não o português. De começo foi o italiano. Para depois, meses se passaram, o alemão foi a bola da vez.

Em horas tempranas nos cruzávamos na portaria da nossa vivenda verde mata. Em tempos recentes não acontecia o mesmo.

Soube, através de outros serviçais de ali mesmo que o Sorriso fora mudado de área de atuação. Ele não mais varria as ruas e sim cuidava da capina do entorno do clube lindo onde existe uma piscina de pouco uso, uma academia via de regra às moscas, um bar que sempre muda de timoneiro, pois as pessoas relutam em ali bebericar, ou comer coisas de bom sabor, um campo de futebol de módicas dimensões onde um dia tentei jogar com os meninos do condomínio e levei um baile, este sim é bastante frequentado pela garotada amável que me chama de poeta atleta.

De tempos pra cá não tenho visto o Sorriso. Foi com saudade antecipadas, antecipando o acontecido, que fui informado que ele fora dispensado de suas funções. O motivo foi logo explicado. Ele faltava muito, e mudou bastante a sua ex-eficiência no trato com as vassouras e o aspirador de folhas, que eu mesmo pedi ao nosso gerente para adquirir.

Fazem cinco dias que não vejo aquele sorriso do amigo Sorriso. Todo o condomínio parou de sorrir. Agora as pessoas que ali moram ficam de lábios trancados evitando que o sorriso escape.

Desde que mandaram o Sorriso embora até eu mesmo parei de sorrir.

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